Crítica
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Crítica
Otto (Tom Hanks) pretende morrer, mas não consegue. Ele prepara a cena de seu suicídio por enforcamento com extrema minúcia, cuidando dos mínimos detalhes para nada sair errado. Aliás, por meio dos vislumbres dessa preparação compreendemos do que é feito o aposentado, ou seja, percebemos claramente como a ordem é relevante para a sua vida prestes a acabar. No entanto, como se golpeado por um destino sacana, ele não é páreo à fragilidade do gesso no qual pendurou a corda e acaba se estatelando no chão. Mais adiante, o protagonista de O Pior Vizinho do Mundo tenta colocar um ponto final na sua angústia de formas diferentes (ingestão de monóxido de carbono, tiro terminal na cabeça), porém sempre alguém trata de salvá-lo inadvertidamente no instante-chave. O cineasta Marc Forster encara a missão de fazer uma nova versão cinematográfica do best-seller Um Homem Chamado Ove, de Fredrik Backman. Mas também podemos dizer que a produção é uma refilmagem do sueco homônimo ao romance que deu origem aos filmes. E ele apresenta uma abordagem agridoce, inclinado àquela ideia do feel good movie (produções que nos fazem sentir bem). Pode soar estranho classificar desse modo uma história de alguém tentando cometer suicídio. Mas, isso acontece porque a intenção mórbida serve a uma mensagem edificante: é preciso viver em sociedade e doar-se aos outros.
Tom Hanks está ótimo como esse setentão obcecado pela ordem do bairro. O homem patrulha diariamente a rua onde mora há décadas para saber se tudo anda conforme as regras. Ao menor sinal de descuido ou infração alheia ele já sai “cuspindo marimbondo” e encerrando suas frases com grunhidos que mais parecem um tique de Clint Eastwood. Aliás, por falar no cineasta/ator com quem Hanks fez Sully: O Herói do Rio Hudson (2016), podemos dizer que O Pior Vizinho do Mundo é uma espécie de Gran Torino (2008) sem o foco na dimensão política e com aquela aura de filme para acalentar o coração (e não muito mais que isso). Assim como no longa-metragem dirigido por Eastwood, aqui temos um senhor de comportamento irascível que recebe vizinhos estrangeiros. A conexão entre esses dois mundos distintos é fundamental para o encerramento que recoloca certas coisas no lugar. No entanto, o remake da produção sueca indicada a duas estatuetas no Oscar 2016 – Melhor Filme Internacional e Maquiagem/Cabelo – oferece um sabor palatável em meio a uma abordagem menos profunda e vocacionada à conciliação. Otto não responde negativamente à presença dos novos vizinhos mexicanos por conta do racismo ou de algo que o valha. Ele simplesmente arma defesas contra qualquer pessoa que lhe acolhe prontamente, para isso relevando a sua ranzinzice e rechaçando as alternativas viáveis à solidão.
Marc Forster flerta em alguns momentos com o sentimentalismo raso. Todavia, ele é um cineasta habilidoso que não passa demasiadamente do ponto e, assim, cumpre as promessas de uma produção dedicada a celebrar a importância dos vínculos emocionais. Há algumas ideias boas, como fazer da falecida esposa a protagonista da vida que passa diante dos olhos sempre que Otto está prestes a conseguir suicidar-se. Já outras não são tão eficientes assim, vide o esquematismo de outros flashbacks que contextualizam de modo didático tudo o que aconteceu com esse personagem antes de ele se transformar num velho rabugento e quase insensível. Nesses breves recuos ao passado, Otto é interpretado por Truman Hanks, filho de Tom Hanks. Caso fossem simplesmente extraídos da metragem final, esses excertos de um passado feliz que contrasta com o presente desesperançado (até mesmo em termos fotográficos, sobretudo quanto à temperatura de cor) não fariam tanta diferença. Eles parecem uma concessão ao caráter meramente ilustrativo que vem dominando o cinema contemporâneo como uma praga. Os produtores realmente acreditam que o público não é capaz de se emocionar ao ser conduzido pelas palavras do sujeito que lembra do grande amor, logo impondo a reiteração disso em imagens? Claro, contemplar a juventude dá novas camadas à trama, mas aqui isso é redundante.
Antes, na comparação com Grand Torino, foi mencionada a ausência de foco na dimensão política, o que não significa que O Pior Vizinho do Mundo seja isento ou despolitizado. Mesmo sendo um turrão de carteirinha, Otto encontra a paz apenas quando baixa os muros criados em volta de si para o afeto que emana da adorável família mexicana – numa realidade em que muitos exigem os famigerados muros. O dado da modernidade que o angustia não é a presença dos hispânicos, mas a agressividade dos agentes imobiliários que estão matando a América do Norte (há até um trocadilho com o nome da empresa). Nesse sentido, há também o jovem trans vivido por Mack Bayda que adiciona uma pitada de discussão atual nesse molho com sabor de comida de avó. Existe também um espaço à ambiguidade sobre a juventude atual. Se na cena do salvamento nos trilhos do trem fica evidente a crítica aos adolescentes mais preocupados com filmar do que atentos ao salvamento de alguém, o encerramento mostra Otto se curvando gentilmente ao engajamento da nova geração que sabe utilizar mídias sociais para o bem. Entre os coadjuvantes, quem mais se destaca é a atriz mexicana Mariana Treviño como a vizinha solar, dona de um acento que brinca com os estereótipos hispânicos e da inabalável capacidade de sugerir a Otto as belezas de viver. Tudo aponta à mensagem: viver significa partilhar. Entre várias lições manjadas e instantes tocantes, o enredo culmina exatamente nessa “moral da história”.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Alysson Oliveira | 4 |
Bruno Carmelo | 5 |
Miguel Barbieri | 8 |
MÉDIA | 5.8 |
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