Crítica


3

Leitores


10 votos 6.6

Onde Assistir

Sinopse

Waldisney trabalha como porteiro num prédio onde a confusão é constante. No entanto, o funcionário é craque em manter certa ordem. Quando acusado injustamente de roubar algo, ele precisará provar que é tudo menos ladrão.

Crítica

A premissa está longe de ser original: aliás, nem perto disso, para ser mais exato. Mas, em casos como esse, talvez essa seja não mais do que uma mera desculpa. O que importa, de fato, é gerar as condições minimamente necessárias para que o verdadeiro espetáculo aconteça. Ninguém vai assistir a um filme como O Porteiro esperando por uma boa história – esse, no frigir dos ovos, é o menor dos problemas. Afinal, trata-se mais de um veículo que busca chamar atenção a um fenômeno em particular do que somente a respeito de um conto a ser relatado. Há, portanto, uma intenção clara por trás dessa iniciativa que visa, ao mesmo tempo, tanto firmar seu protagonista como um astro em um outro meio – após o estrelato no teatro, o anseio agora é por se firmar na tela grande – como também em proporcionar uma comunicação efetiva com um espectador menor interessado em reflexões e análises e mais inclinado a um divertimento passageiro, consistente no seu desenrolar, ainda que de limitada continuidade. Porém, o tropeço que se verifica está menos na conta do elenco e mais na responsabilidade do diretor Paulo Fontenelle, que indica não saber bem como orquestrar os talentos reunidos, entregando um conjunto frouxo e sem liga, que empalidece diante do potencial alardeado.

Dois nomes habituados a serem os primeiros citados em projetos do gênero, dessa vez, surgem como coadjuvantes. Maurício Manfrini e Cacau Protásio são figuras estabelecidas no meio – ou seja, não precisariam passar pelo que dessa vez enfrentam. No entanto, a impressão é que tenham aceitado tal convite para serem “escadas” de um outro personagem em nome de uma amizade, parceria ou bom relacionamento que provavelmente possuam com Alexandre Lino, que assume de maneira inédita em sua carreira a condição de protagonista. Habituado a uma extensa condição de coadjuvante – que passou por novelas, como Totalmente Demais (2016) e Êta Mundo Bom! (2016), até filmes como Minha Fama de Mau (2019) e Os Espetaculares (2020) – tem se firmado como uma presença consistente e de confiança, ainda que poucas vezes antes tamanho desafio tenha se apresentado diante dele. Ciente de que as atenções deveriam estar voltadas para si, tratou de escolher uma estrutura narrativa mais voltada aos esquetes, agregando o envolvimento dos demais ao impacto por ele próprio almejado. Trata-se de uma operação nem sempre bem-sucedida, mas cujas intenções se tornam óbvias com facilidade.

Tem-se, como exemplo, o fato dos citados Manfrini e Protásio sequer dividirem qualquer cena juntos em O Porteiro – eles, afinal, aparecem ao lado do personagem-título, sem direito a qualquer tipo de interação à parte. Os dois, que já foram parceiros repetidas vezes, estrelaram anteriormente um longa cuja proposta é similar à vista por aqui (inclusive nos resultados). Em No Gogó do Paulinho (2020), um narrava a quem quisesse ouvir suas desventuras prévias até chegar ao ponto no qual naquele momento atual se encontrava, percorrendo, desse modo, um grande flashblack que respondia pelo filme em si. Eis também a fórmula perseguida por Fontenelle. Waldisney (Lino, sem a ânsia necessária para capturar os olhares na sua direção) está preso, e precisa revelar ao delegado (Manfrini, em participação discreta) o que teria lhe acontecido para merecer tais acusações. E assim, o que deveria ser uma explicação relativamente simples – ou seja, qual infração cometeu, ou, em outra possibilidade, quais seriam suas responsabilidades diante o ocorrido – acaba por se estender por mais de uma hora, entre desvios gratuitos, relatos descabidos e adições que pouco significam frente ao questionamento inicial. Uma desculpa, portanto, para o seu suposto show particular. Um que resultará em poucos convencidos.

Waldisney, o tal porteiro do título, se apresenta como um típico homem do interior, aquele tipo inocente que leva tudo ao pé da letra e não desconfia de nada, nem de ninguém. É um personagem que conta com a cumplicidade da plateia para que sua postura se mostre minimamente convincente, algo relativamente simples de se alcançar nos palcos – sua origem é teatral – mas de difícil engenharia no cinema, ainda mais se tratando de uma tecnologia que tem privilegiando a experiência individual em contraste ao fenômeno coletivo. Sua ingenuidade soa ultrapassada, datada, vencida por uma contemporaneidade que não oferece espaço para figuras tão simplórias e estereotipadas. Pouco ajuda, por outro lado, aqueles escolhidos para estarem ao seu redor. Entre a “velha maconheira” (isso é tão início dos anos 2000 – saudades de Maria Alice Vergueiro) e o casal cujo fetiche é manter o marido longe de um bom banho, causando desconforto pelo mau cheiro que acaba impregnando o prédio inteiro, os constrangimentos vão se acumulando para além de qualquer conta razoável, desperdiçando talentos como os de Daniela Fontan (ótima em Tia Virgínia, 2023, mas aqui desperdiçada entre gritos e explosões de temperamento não justificadas) ou Rosane Gofman, que há quase duas décadas não fazia cinema, e aqui é chamada para ser não mais do que uma piada óbvia e sem maiores repercussões.

Paulo Fontenelle já tentou de tudo um pouco no audiovisual, de documentários a suspenses, de romances à comédias, sempre com resultados controversos. Com O Porteiro ele ao menos tinha uma base forte – a peça está há anos em cartaz, tendo levado milhares de pessoas ao riso em diferentes estados do país – que, no entanto, acaba desperdiçada por uma abordagem frouxa, que ao invés de se confirmar popular – como parece ter sido a intenção original – tudo o que consegue é desrespeitar a inteligência do espectador com tiradas improvisadas e um enredo incapaz de se sustentar por conta própria. Ninguém estará interessado no assalto ao prédio, na troca do síndico, se Waldisney conseguirá manter seu emprego até o dia seguinte ou mesmo qual será o seu desfecho na delegacia. Dessa forma, até mesmo a inclusão de uma cena pós-créditos se revela deslocada, pois parte do princípio de que alguém estaria curioso sobre a chegada de mais um tipo apenas citado, porém de pouca relevância. E assim, sem ritmo para a piada certa e incapaz de encontrar o tom de uma narrativa que conseguisse unir os talentos presentes, o que se confirma é o desgaste de uma fórmula que há muito vem clamando por uma urgente renovação.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *