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Crítica

O nome de Makhmalbaf não deve soar estranho aos ouvidos dos leitores. Mas certamente ecoa distante, uma vez que À Caminho de Kandahar (2001), o mais marcante dos seus filmes, foi lançado por aqui há mais de uma década. O Presidente, seu mais recente trabalho, segue o tradicional viés político do diretor, tratando o tema como uma fábula irônica.

O momento fabular se dá no país fictício para o qual nos leva o longa. A ironia, diluída em várias situações, se encontra no título. A ideia do presidencialismo, tão natural no mundo ocidental – e levemente modificada nos casos dos países parlamentaristas – demanda um grande esforço de compreensão para boa parte do Oriente Médio, espaço cultural e ideológico do diretor iraniano. Por isso, o Presidente (Misha Gomiashvilli) é, na verdade, um ditador sanguinário durante os últimos dias de glória, quando os militares colocarão abaixo o seu governo. Tendo enviado toda a família, exceto o neto, para o exterior, ele precisará fugir e defender a criança dos terrores da guerra civil.

Perseguido pelo grupo rival e com a cabeça a prêmio, o esforço do protagonista está em tentar salvar a si e ao neto ao mesmo tempo em que percebe a nova configuração do país que comandou. Em uma das primeiras cenas, o ótimo Dachi Orvelashvilli está no colo do avô. Pelo telefone, dá a ordem de desligar e ligar as luzes da cidade. A arbitrariedade, incluída como uma ação normal, sinaliza o tom da mensagem do diretor sobre os líderes do seu país e da região.

Ao ver desmoronar o antigo império, o Presidente não se encontra apenas com o preço da perda política, mas também com o peso da culpa pelas atrocidades cometidas. Assim, Makhmalbaf nos impõe uma dualidade que, apesar de comum, é difícil de compreender. Como alguém pode proteger o neto tendo desconsiderado tantos outros netos, filhos, homens e mulheres? O valor da vida, nos diz, não pode ser parcial e seletivo.

Ancorado em duas ótimas atuações, O Presidente consegue alternar momentos de beleza extrema, como o gosto do menino pela dança apesar da violência, com outros de crueldade, como quando o homem retorna à casa, depois de ter sobrevivido ao novo grupo político, mas descobre que o lar não sobreviveu. Sem optar para um moralismo simplista, o filme não aceita a mudança pela mudança como algo necessariamente bom ou melhor. A violência instaurada na ausência de governo não é uma seta indicando para aonde ir, mas o símbolo irônico de uma triste repetição alimentada pelo ódio e pela vingança.

A superação do terrível e a força para criar diante da monstruosidade fazem de O Presidente um filme na linha de A Vida é Bela (1997) e O Tigre e a Neve (2005), ambos de Roberto Benigni. Em todos estes casos, em comum percebemos que a opção por revestir o presente se torna a única possibilidade para aceitá-lo.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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