O Presidente
Crítica
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Sinopse
Numa aldeia fictícia do Cáucaso, o Presidente em fuga tem apenas a companhia do neto de cinco anos. Um golpe de Estado aconteceu e o ditador agora circula pelas terras que um dia governou disfarçado de músico. Pela primeira vez ele se aproxima realmente da gente que por tanto tempo liderou, finalmente conhecendo aquele que era seu povo.
Crítica
O nome de Makhmalbaf não deve soar estranho aos ouvidos dos leitores. Mas certamente ecoa distante, uma vez que À Caminho de Kandahar (2001), o mais marcante dos seus filmes, foi lançado por aqui há mais de uma década. O Presidente, seu mais recente trabalho, segue o tradicional viés político do diretor, tratando o tema como uma fábula irônica.
O momento fabular se dá no país fictício para o qual nos leva o longa. A ironia, diluída em várias situações, se encontra no título. A ideia do presidencialismo, tão natural no mundo ocidental – e levemente modificada nos casos dos países parlamentaristas – demanda um grande esforço de compreensão para boa parte do Oriente Médio, espaço cultural e ideológico do diretor iraniano. Por isso, o Presidente (Misha Gomiashvilli) é, na verdade, um ditador sanguinário durante os últimos dias de glória, quando os militares colocarão abaixo o seu governo. Tendo enviado toda a família, exceto o neto, para o exterior, ele precisará fugir e defender a criança dos terrores da guerra civil.
Perseguido pelo grupo rival e com a cabeça a prêmio, o esforço do protagonista está em tentar salvar a si e ao neto ao mesmo tempo em que percebe a nova configuração do país que comandou. Em uma das primeiras cenas, o ótimo Dachi Orvelashvilli está no colo do avô. Pelo telefone, dá a ordem de desligar e ligar as luzes da cidade. A arbitrariedade, incluída como uma ação normal, sinaliza o tom da mensagem do diretor sobre os líderes do seu país e da região.
Ao ver desmoronar o antigo império, o Presidente não se encontra apenas com o preço da perda política, mas também com o peso da culpa pelas atrocidades cometidas. Assim, Makhmalbaf nos impõe uma dualidade que, apesar de comum, é difícil de compreender. Como alguém pode proteger o neto tendo desconsiderado tantos outros netos, filhos, homens e mulheres? O valor da vida, nos diz, não pode ser parcial e seletivo.
Ancorado em duas ótimas atuações, O Presidente consegue alternar momentos de beleza extrema, como o gosto do menino pela dança apesar da violência, com outros de crueldade, como quando o homem retorna à casa, depois de ter sobrevivido ao novo grupo político, mas descobre que o lar não sobreviveu. Sem optar para um moralismo simplista, o filme não aceita a mudança pela mudança como algo necessariamente bom ou melhor. A violência instaurada na ausência de governo não é uma seta indicando para aonde ir, mas o símbolo irônico de uma triste repetição alimentada pelo ódio e pela vingança.
A superação do terrível e a força para criar diante da monstruosidade fazem de O Presidente um filme na linha de A Vida é Bela (1997) e O Tigre e a Neve (2005), ambos de Roberto Benigni. Em todos estes casos, em comum percebemos que a opção por revestir o presente se torna a única possibilidade para aceitá-lo.
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