Crítica
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Sinopse
San Bernardo, Chile, 1970. Em uma noite de bebedeira, Jaime, um narcisista solitário de 20 anos, esfaqueia o homem por quem está apaixonado. Condenado à prisão, descobre uma microssociedade formada por prisioneiros gays, onde os novos detentos devem ceder ao flerte dos mais experientes para sobreviverem. Jaime, conhecido como O Príncipe por sua beleza, compreende aos poucos as regras do cárcere e se dedica a conquistar espaço dentro desta hierarquia.
Crítica
Talvez não exista uma única cena em O Príncipe que não esteja relacionada ao desejo sexual entre homens. Desde os primeiros minutos (um crime passional praticado por um jovem gay) até a chegada deste na prisão (ao som de uma forte música melodramática, quando o criminoso é acolhido pelos prisioneiros homossexuais), o drama se passa apenas entre gays, no universo literalmente fechado da cadeia, onde as relações de poder e a disputa de masculinidade se desenvolve entre homens que desejam uns aos outros. O diretor Sebastian Muñoz se apropria de alguns dos gêneros cinematográficos mais conectados à construção simbólica da virilidade – o filme de máfia, o filme de prisão, o buddy movie, o filme de ação – para adequá-los ao microcosmo LGBT.
O resultado se encaixa no que se costuma considerar um “filme gay”, por fazer da orientação sexual seu tema central, e também por buscar uma estética queer, ou seja, uma forma que se adeque especificamente à sexualidade de seus personagens. O cineasta exagera na dramatização dos corpos, das reações e das falas, numa mise en scène de estilo teatral. Alfredo Castro, como o líder idoso do clã de prisioneiros, encontra um meio-termo entre a violência e a ternura, entre a atividade e a passividade – tanto social quanto sexual. O jovem Juan Carlos Maldonado, muito menos experiente, é induzido pelo diretor a apresentar os olhos sempre arregalados, beirando o animalesco. O resultado seria considerado exagerado demais dentro de qualquer contexto realista, mas neste universo kitsch, compõe uma estética coesa.
O Príncipe foge ao sentimento de urgência e brutalidade das histórias de crime para conceber um aspecto fabular da prisão. No drama, as portas estão sempre abertas, e os presos circulam por onde querem. Eles dividem a cama com os namorados, às vezes dormem nas celas vizinhas. Depois fazem festas, vendem produtos, encontram-se às escondidas no chuveiro para casos tórridos. Os policiais existem menos para exercer alguma forma de coerção do que para observá-los, em comportamento voyeur análogo ao do espectador. Uma única cena de violência policial ocorre por provocação explícita do Potro (Castro), mas em caso contrário, são os detentos que regulam a própria rotina. O pressuposto típico da formação de facções criminosas é transformado em famílias sem qualquer forma de poder financeiro nem ingerência no mundo lá fora. Aliás, a sociedade ao redor existe apenas sob forma de pequenos anúncios na rádio: sabemos que Allende está prestes a tomar o assumir a presidência, o que representa um sinal de otimismo para os personagens.
Quanto à representação do sexo, Muñoz faz questão de ser frontal, porém nada realista. Os pênis se multiplicam ao longo da narrativa, assim como cenas de sexo heterossexual e homossexual. No entanto, transparecem a atmosfera de sonho (ou pesadelo), como na transa barulhenta e anônima de um homem e uma mulher, ou o encontro a três sob a ducha. Quando Jaime descobre o objeto de seu desejo fazendo sexo com uma mulher, ele imediatamente se masturba, para depois rolar sobre a terra onde aconteceu o ato, querendo de certo modo absorver os fluidos deixados no local. Dentro da sala de cinema, algumas pessoas riam destes momentos. Seria difícil, neste caso, distinguir o riso do ridículo do riso de incômodo. É preciso muita coragem para um diretor, em uma primeira ficção, apostar num retrato tão voluntariamente artificial e maneirista.
Por fim, O Príncipe brinca com tantos códigos de gêneros cinematográficos e sociais que se assemelha a uma jornada alegórica através do imaginário formado por O Poderoso Chefão (1972) e Os Bons Companheiros (1990), pela cinematografia de Pedro Almodóvar e Rainer Werner Fassbinder, as tragédias shakespearianas e gregas (Édipo, em particular). Se não chega a apresentar uma estética radical, ao menos encontra uma forma à altura de seu conteúdo, capaz de abordar figuras masculinas alegóricas sem ridicularizá-las. Muñoz busca encontrar um terreno comum entre o sexo e a violência, compondo uma epopeia de amor e brutalidade no meio gay, como raramente se faz nesta época mais voltada às representações naturalistas, ou de afronta política.
Filme visto no 27º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2019.
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