Crítica
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Sinopse
Imigrante do Chipre, Nicolas se mudou para os EUA na juventude e encontrou trabalho em Manhattan durante o auge do cinema independente, em 1970. Logo, se tornou-se dono de um cinema, numa época em que o número de telas na cidade passou por um declínio. Quatro décadas depois, o empresário possui três complexos em bairros distintos: o Cinema Village, de Manhattan, o Alpine Cinemas, de Bay Ridge, e o Cinemart, de Forest Hills. O filme traça a vida e obra de um nova-iorquino que se recusa a ceder, por amor ao cinema e à cidade que o moldou.
Crítica
A faceta documental vem ganhando cada vez mais destaque dentro do corpo da obra de Abel Ferrara na última década. Em comum, todas as produções carregam o elemento da relação afetiva entre o diretor e os espaços geográficos que servem de cenário, ou mesmo configuram o objeto de estudo central das narrativas. Seja a Itália, país que adotou como lar, de Piazza Vittorio (2017) e do docudrama Napoli, Napoli, Napoli (2009), a França – onde a admiração por sua obra sempre se mostrou mais intensa – de Alive in France (2017) ou ainda sua Nova York natal em Chelsea on The Rocks (2008) e Mulberry St. (2010), um retrato da rua no bairro do Bronx onde iniciou sua carreira. Em O Projecionista, Ferrara novamente volta seu olhar à Big Apple para narrar a história de Nicolas ‘Nick’ Nicolaou, imigrante cipriota que lá construiu um considerável patrimônio como dono de salas de cinema.
Ainda jovem, Nicolaou trabalhou em um cinema de Manhattan, passando de lanterninha a gerente até conseguir comprar o seu primeiro estabelecimento, nos anos 80, seguindo no ramo até os dias de hoje como proprietário de três complexos localizados em diferentes bairros nova-iorquinos. Essa trajetória empresarial, e de vida, vem envolvida pela cinefilia que fala direto à própria formação de Ferrara como espectador e realizador, bem como apresenta um retrato histórico que se confunde com o ciclo da cultura dos cinemas de rua. Do glamour da Era de Ouro hollywoodiana, nas décadas de 40 e 50, passando pelo auge da popularização e diversidade dos anos 70 – quando blockbusters dividiam espaço com filmes independentes que borbulhavam por conta da explosão da Nova Hollywood, com os subgêneros do exploitation e com o cinema adulto – até o declínio visto a partir da década de 80, com o advento do VHS, o monopólio das grandes redes exibidoras e a transferência das salas para os shopping centers.
No centro deste panorama, Ferrara nunca perde contato com o viés biográfico do longa, revisitando os passos de Nicolaou desde sua infância humilde no Chipre e tratando de suas conexões humanas, como a relação próxima com a mãe – a quem homenageou postumamente com a construção de um parque em seu vilarejo natal – e com a esposa, que hoje comanda os negócios da família diretamente do país mediterrâneo. Figura simpática, que emana serenidade e simplicidade, mesmo ostentando uma vida luxuosa – como a sequência do jantar em sua casa no Chipre ou a imagem recorrente com um charuto no canto da boca não deixam negar – Nicolaou, de alguma forma, carrega o arquétipo do forasteiro bem-sucedido que reafirma a ideia dos Estados Unidos como a “terra das oportunidades”. Contudo, ainda que o próprio nunca esconda o aspecto mercadológico, como negócio lucrativo, de seu trabalho, é como símbolo de resistência que Ferrara prefere enxergar e apresentar o protagonista.
É a defesa de uma pureza na relação com os filmes e com o ato de contemplação da sala escura que o cineasta busca exaltar através de seu biografado, que luta pela manutenção dos cinemas de rua como um ambiente coletivo de integração cultural de bairros e comunidades, além de oferecer espaço de divulgação para a arte underground, promovendo o cinema independente e os novos realizadores – ainda que estes tenham que pagar pela exibição de seus filmes. Ossos do capitalismo, afinal. Dando total liberdade para que o personagem principal se expresse, Ferrara imprime um registro intuitivo e despojado – no qual surge em cena ao lado da esposa e da filha – mas que, por vezes, flerta com o descuido – os microfones que aparecem no quadro, os cortes bruscos etc. Aos depoimentos de Nicolaou, o cineasta mescla imagens de arquivo que ilustram a ascensão e queda do circuito de cinemas de rua, além de inserir trechos de obras diversas.
De Pier Paolo Pasolini a Martin Scorsese – na escolha certeira do trecho de Taxi Driver (1976) em que Robert De Niro e Cybill Shepherd vão ao cinema pornô – O Projecionista expõe as influências de Ferrara, bem como suas origens, ao se concentrar no nicho do cinema adulto – em grande parte para fins cômicos, mas sempre com notável afeto. Afinal, há poucos cineastas tão marginais, no sentido mais pleno do termo, quanto Ferrara, cujo primeiro trabalho foi comandando uma fita erótica – Nove Vidas de uma Gata Molhada (1976) – e que despontou por meio do exploitation com O Assassino da Furadeira (1979) e Sedução e Vingança (1981), referenciados na tela. Mesmo podendo soar gratuita, sensacionalista ou mesmo aleatória num primeiro momento, essa exploração condiz com a obra do cineasta e, ainda que a própria jornada de Nicolaou possa parecer repetitiva e não ser tão admirável quanto Ferrara acredita, ao final, essa sua crença é capaz de dar força ao longa e, por sua sinceridade crua, aproximar o espectador desta ode ao ato de vivenciar o cinema.
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