Crítica
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Sinopse
Durante uma apresentação, a jovem bailarina Elise flagra a traição de seu namorado, o que acaba causando um acidente. Mesmo que os especialistas digam que ela não será mais capaz de andar depois disso, Elise persiste.
Crítica
Imagens geralmente decretam. Elas são frequentemente impositivas. Para muitos, o que se vê, é. Porém, não à toa, os grandes filmes subvertem esse verdadeiro dogma. No cinema, nem sempre o que se vê, é. Às vezes, a diferença entre uma história bem contada e uma obra memorável está na capacidade de extrair concentrados de mistério e indeterminação das imagens, bem como dos sons, das interpretações, etc. O Próximo Passo está mais próximo da “história bem contada”: o elenco apresenta bons desempenhos; existe atenção às entrelinhas; e o tema é interessante. Não decola rumo a voos mais ambiciosos por conta de um excesso de certezas. A protagonista é Elise (Marion Barbeau), a bailarina principal de uma companhia tradicional. Ela sofre um acidente no palco, episódio que pode interromper uma carreira até ali brilhante. O cineasta Cédric Klapisch começa dando ênfase ao balé, atento aos movimentos dos dançarinos, à coreografia e à sensação de transcendência que apenas a arte pode proporcionar com sua riqueza. Mas, também faz questão de ser didático sobre o que desequilibra Elise rumo ao drama pessoal. A vemos beijando o namorado – o bailarino principal –, observada com misto de admiração e inveja por colegas e testemunhando uma traição segundos antes de entrar no palco. Causa e consequência ditam o restante da sequência. Não há dúvidas. Há certezas.
Ainda nessa pequena jornada inicial, não se trata de o quê acontecerá com Elise, mas de quando. Por breves momentos parece que Cédric Klapisch vai cozinhar a nossa expectativa no fogo brando do senso comum e tumultua-la com algo inesperado num posterior instante-chave. No entanto, ele sucumbe ao simplismo de uma desilusão amorosa que enseja a ruptura física. Por sua vez, esta pode colocar a vida da protagonista de cabeça para baixo. Mais à frente, as conversas introdutórias com o fisioterapeuta vivido por François Civil servem apenas para confirmar tudo isso: “sua lesão está diretamente ligada ao trauma romântico”, ele diz, como se ainda fosse necessário reforçar a ponte entre as dores emocionais e físicas. Aliás, o personagem de Civil é praticamente desimportante na trama, servindo estritamente para criar episódios de (leve) constrangimento ao revelar que está a fim da paciente. A vocação expositiva de O Próximo Passo também é identificável na maneira como o roteiro exibe a trajetória pregressa de Elise. Ouvimos ela “dialogando” com a mãe morta, como que escrevendo uma carta à falecida, na qual não realmente conversa com alguém que se foi. Elise simplesmente narra um flashback, curiosamente dizendo para a sua mãe o que a própria fazia enquanto estava vivíssima. Trata-se de uma estratégia pobre para ilustrar esse passado tão revelador ao espectador.
Elise é a típica personagem fraturada (em dois sentidos) que precisa encontrar uma alternativa. Com a carreira em xeque pela lesão, passa maus bocados com a dúvida: o que fazer quando aquilo que você sempre quis fazer não é mais possível? Como começar uma nova carreira quando sua carreira se torna inviável? E, nesse ínterim de dificuldades tão físicas quando emocionais, a protagonista de O Próximo Passo encontra respostas na experiência alheia, mais especificamente no acúmulo das experiências alheias. Cada personagem ao redor dela existe com propósito único: colocar um tijolinho novo nessa alvenaria necessária à reconstrução de Elise como indivíduo. A amiga que namora o chef de cozinha (vivido por Pio Marmaï) a ajuda a entender que existe vida fora do balé clássico; a dona da propriedade onde ocorre esse processo de cura é a típica mentora (também manca, para gerar identificação imediata) que está ali para dar à Elise pílulas da sabedoria de quem viveu mais tempo; o novo interesse romântico é a prova de que os relacionamentos não precisam ser necessariamente tóxicos e asfixiantes. E, ainda nesse itinerário bem demarcado e reiterado de funções e atributos, a dança contemporânea surge como um bem-vindo sinal dos novos tempos, vide o sublinhar de seus movimentos mais livres e a transformação das fragilidades em potência. O antagonismo com a dança clássica é sobre isso.
Cédric Klapisch não parece interessado pelas nuances em O Próximo Passo. O balé clássico é entendido apenas como um remanescente, cujas dinâmicas são naturalmente viciadas por práticas anacrônicas – como a existência da primeira bailarina, o que automaticamente criaria uma energia nociva de ciúme. Já a dança contemporânea prevê somente um ambiente potente, coletivo, em que todos são bacanas e acolhedores. E essa dicotomia é conscientemente reforçada pelo cineasta ao longo da trama e escancarada no encerramento que pode ser compreendido como um óbvio jogo de espelhos. Tudo é dança, mas a liberdade das práticas contemporâneas revela, como uma imagem reflexa distorcida, aquilo que no clássico deveria morrer atualmente. O problema principal não está nessa opinião defendida pelo filme, mas no jeito maniqueísta e determinista com a qual ela se manifesta cinematograficamente. E o que depõe mais contra o longa-metragem é o fato de estarmos assistindo a uma obra que fala de arte, de manifestações que podem ser assimiladas de modos tão distintos quanto forem possíveis existir subjetividades para filtra-las. Então, nos deparamos com uma história bem contada, personagens interessantes e uma fatura técnica eficiente. Mas, falta a esse conjunto competente convocar o mistério, a incerteza e a ambiguidade para a coreografia de seu espetáculo morno. O resultado é uma dança bem executada, de intenções e gestos claros, mas sem aquilo que poderia comover.
Filme assistido durante o 13ª Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2022.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Ailton Monteiro | 7 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 6.3 |
Fiquei bastante comovido.