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Crítica


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Sinopse

Os objetos e as pessoas contam as histórias da cidade de Cruz Machado. Entre os habitantes, a cineasta que volta às raízes para tentar encontrar uma parte sua que ficou para trás.

Crítica

O Brasil sempre foi referência em documentários. Sabemos contar histórias, mas também somos exímios ouvintes, arquitetos de falas reais, montadores de personagens que estão em nossas esquinas, prédios, nas nossas cidades. Eduardo Coutinho, o grande nome do gênero nesta terra brasilis, deixava seus entrevistados falarem e também criava, a partir dessas falas, novos destinos, como podemos ver no ótimo Jogo de Cena, lançado em 2007. A cineasta paranaense Ana Johann estudou documentário em Barcelona, mas escolheu sua terra natal, Cruz Machado, como cenário para este O Que Nos olha, lançado na 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Johann não usa Coutinho como norte, e sim um estilo conhecido como filme-dispositivo, tendo como pano de fundo um acontecimento pessoal. Uma boa intenção que, infelizmente, não se concretiza.

O Que Nos Olha apresenta moradores de Cruz Machado, município do interior do Paraná, com trajetórias bem distintas e interessantes, que poderiam render filmes individuais: a adolescente questionadora, o garoto lidando com a homofobia típica do interior, a jovem benzedeira, o desenhista e a colecionadora de botões com um trauma amoroso. Há, inclusive, a presença de familiares de Johann, que a ajudam na busca por personagens espalhando cartazes com convites para participar da produção.

O filme poderia ser uma observação de alguém que deixou sua casa para conhecer o mundo e volta com mais repertório e interesse por seu ninho. Uma redescoberta, já livre da rebeldia juvenil, do lugar limitado onde se viveu os primeiros anos. Mas um detalhe atrapalha o resultado e ele surge logo na primeira cena do filme, registrada com um celular. Nela, a diretora expõe seus sentimentos pela recente separação do marido, depois de 20 anos de relacionamento. O luto pode render arte, mas neste caso ele chega para os espectadores na forma de desabafo, quase como se invadíssemos a privacidade de Johann. Todas as entradas de sua voz em off ao longo de O Que Nos Olha tem como tema o ex-companheiro. A falta que ele faz à noite, as brigas e os motivos delas, o início da relação em Cruz Machado e até a submissão da cineasta a fim de não deixar o casamento acabar, seguindo os padrões machistas da nossa sociedade sobre “o que segura um homem”. Maridos, namorados e amantes não são corrimões para serem segurados, que fique bem claro.

Na parte técnica, O Que Nos Olha tem clima bucólico e fotografia opaca. A câmera passeia pelas ruas quase desertas e contempla carinhosamente a neblina, bem como as paisagens com cheiro de passado. Mas até aí o que parece ser a motivação real da cineasta se faz presente. Todos os depoimentos são realizados no mesmo local, uma casa de madeira bem antiga. Lá, o ex-marido de Johann passou a infância. Obsessão? Talvez, pois em nada essa informação acrescenta às pessoas que expõem suas histórias, e para o público é mais uma amostra de que o longa-metragem parece ter sido criado como forma de terapia, para além do caráter cinematográfico, lembrando um pouco o documentário de Maria Clara Escobar, Os Dias Com Ele (2012), em que ela enfrenta o próprio pai diante das câmeras. Johann não encara o fim de seu relacionamento, mas chora a sua chegada.

O Que Nos Olha respeita seus entrevistados, mas os intervalos entre um depoimento e outro, sempre girando em torno do luto amoroso de sua diretora, tornam o filme chato, repetitivo, quase uma desculpa para que as mágoas sejam resolvidas, ou até uma indireta (algo tão comum nas redes sociais) para o ex. Como todos os escândalos feitos em nome do amor e do fim dele, pode render boas histórias. Quem sabe no próximo filme de Ana Johann.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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