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Sinopse

Agnes é uma mãe suburbana na casa dos 40 anos que tem todo o seu tempo consumido e dedicado ao cuidado dos homens da sua família. Quando descobre o dom de montar quebra-cabeças, seu mundo muda completamente. Com novos horizontes, aqueles ao seu redor são forçados a se ajustarem e mudarem junto com ela, que passa a participar de competições de montagem de quebra-cabeças.

Crítica

Há algo de melancólico em Agnes (Kelly Macdonald), a protagonista de O Quebra-Cabeça. E não é nem uma tristeza, por assim dizer. É algo mais íntimo, intrínseco ao seu ser. A vemos pela primeira vez durante uma festa familiar. A impressão inicial é imaginar que se trata de uma criada, tal é sua subserviência. Ao percebermos a desenvoltura que demonstra por aquele ambiente, fica mais claro que aquela é a casa da sua família. O que estariam comemorando? A formatura de um dos filhos? Alguma conquista do marido? Ela sai da cozinha com o bolo, repleto de velas, e todos começam a cantar parabéns. É quando, enfim, o espectador se dá conta de que é ela mesma, enfim, a aniversariante. Estão reunidos por causa dela, ainda que ninguém pareça se importar com a homenageada – e nem ela com os demais. Tudo muda no dia seguinte, quando decide abrir os presentes. Um iPhone de última geração é deixado de lado, sem muita curiosidade. Porém, quando se depara com uma caixa maior, lá encontra um quebra-cabeça gigante, daqueles de mil peças, e uma chama se acende dentro dela. É algo discreto, quase imperceptível. Mas que irá determinar a série de mudanças que começarão a ocorrer deste ponto em diante.

Assim, a rotina de Agnes vai tomando conta da trama. Todo dia acorda antes do marido (David Denman, de Power Rangers, 2017), mas permanece na cama, contando os segundos, até o despertador tocar – e ela poder, enfim, dar início às suas atividades. Acorda um filho, desperta o outro, vai preparar o café da manhã que a família, religiosa, faz questão de estarem juntos. O pai tem uma oficina, e os dois filhos, já adolescentes, trabalham com ele. Um, “o mais esperto”, se questiona se deve ou não ir para a faculdade. O outro, “o que nunca se destacou na escola”, é deixado de lado, como se as esperanças de um futuro melhor para ele já tivessem sido descartadas. E enquanto os três homens saem para o serviço, ela se ocupa como dona de casa: lavando roupas e louças, fazendo compras, indo a reuniões na igreja e nunca esquecendo de preparar o jantar na hora certa. Isso, é claro, até deixar de lado uma hora ou duas para montar o quebra-cabeças. E assim que este estiver pronto, desfazer tudo, apenas para começar de novo.

O que logo descobre, durante uma viagem à Nova York – eles moram nos subúrbios – é que ela é boa nisso – em montar quebra-cabeças, afinal. E se o passatempo parece algo tolo, digno de crianças, também rapidamente se percebe que há muitas pessoas que levam esse exercício realmente à sério. Tanto que acaba atendendo a um anúncio de um “montador profissional”, por assim dizer. Robert (Irrfan Khan, de Quem Quer Ser Um Milionário?, 2008) lembra muito o personagem de Hugh Grant em Um Grande Garoto (2002): anos atrás, quase que por acaso, foi responsável por uma invenção que acabou dando muito certo, e até hoje vive dos dividendos deste ‘golpe de sorte’, como ele mesmo diz. “Não sou um inventor”, afirma. Talvez por isso, tenha se ocupado tanto com uma ocupação que muitos desconsideram. Acontece que, ao lado da nova parceira, os dois se tornam imbatíveis. O campeonato nacional – sim, isso existe, e surpreende tanto a audiência quanto à protagonista – parece ser só uma etapa a ser cumprida, pois o veterano aposta que os dois estão destinados a se qualificarem para o mundial, a ser disputado na Bélgica. Poderá uma mulher, que até ontem seu horizonte não ia além do bairro onde mora, se aventurar dessa maneira? Essa é só mais uma peça que até então não se encaixava, mas que agora, sob nova perspectiva, poderá encontrar o seu espaço.

O Quebra-Cabeça sai na vantagem por contar com uma excelente – porém subestimada – atriz à frente do elenco. Kelly Macdonald, geralmente vista em papeis menores em dramas ingleses como Assassinato em Gosford Park (2001) e Anna Karenina (2012), teve sua primeira oportunidade de peso em Trainspotting: Sem Limites (1996), e talvez seja mais lembrada pelo grande público como a personagem feminina de maior destaque do oscarizado Onde os Fracos não tem Vez (2007). As muletas são deixadas de lado no filme de Marc Turtletaub (produtor de Pequena Miss Sunshine, 2006), e ela ocupa plenamente o centro das atenções, sem nunca as chamar para si, no entanto – o lugar é por ela ocupado de forma natural e bastante tranquila. Quando Khan entra em cena – um dos coadjuvantes mais versáteis da Hollywood atual – o conjunto só cresce, pois ele em nenhum momento chega a roubar o momento dela. Eles se somam, e o resultado, juntos, é ainda mais impressionante. Ambos formam um casal às avessas, no qual ninguém parece apostar, mas com uma química tão fora dos padrões que chega a ser difícil, após o primeiro encontro, vê-los separados.

Turtletaub partiu de um roteiro da novata Polly Mann, escrito em parceria com o experiente Oren Moverman (indicado ao Oscar por O Mensageiro, 2009). A ideia, no entanto, não é inteiramente original, pois este filme é, na verdade, uma refilmagem do longa argentino Rompecabezas (2009), de Natalia Smirnoff. A união de talentos, no entanto, ultrapassou as barreiras de uma mera releitura, inserindo aspectos de discussão e debate, como a presença da mulher, a atual dinâmica familiar e o peso que pequenas decisões podem ter diante um contexto muito maior. Agnes é uma mulher pronta para desabrochar, e ainda que não esteja ansiando por deixar alguém para trás, os que não a acompanharem nesse processo, inevitavelmente, serão esquecidos. É mais do que uma simples questão de gostar desse ou daquele outro, de buscar um desfecho amoroso ou, ainda, vencer um torneio e levantar um troféu: a conquista se dá dentro, no interior da pessoa. Sorte de quem a ver, tanto na ficção quanto no lado de cá da tela grande.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Francisco Carbone
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MÉDIA
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