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Sinopse

Clara, jovem esperta e independente, perde a única chave mágica capaz de abrir um presente de valor incalculável dado por seu padrinho. Na busca pela solução do problema, inicia uma jornada de resgate que a leva pelo Reino dos Doces, o Reino das Neves, o Reino das Flores e o sinistro Quarto Reino.

Crítica

Baseado no conto O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos, do autor russo E. T. A. Hoffmann, publicado em 1816, o clássico infantil O Quebra-Nozes se tornou conhecido no mundo inteiro ao ser transformado em ballet por Tchaikovsky, em 1892. De lá para cá já foram dezenas de adaptações – a animação O Príncipe Encantado (1990) talvez seja a mais conhecida, entre tantas para a televisão ou feitas diretamente para o mercado de vídeo. Faltava, no entanto, uma versão grandiosa, à altura da fama e da relevância da história. E assim como fez com várias histórias de outros autores também renomados, como James Barrie (Peter Pan, 1953), Carlo Collodi (Pinóquio, 1940) ou os irmãos Grimm (Branca de Neve e os Sete Anões, 1937, foi só o primeiro), os estúdios Disney agora se apropriam da trama e dos personagens para moldá-los de acordo com um viés mais... disneyniano, pois assim dizer. E assim surge O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos, um conto de fadas visualmente deslumbrante, mas desprovido de alma e emoção.

No original, na véspera de Natal a menina Clara pede ao seu padrinho um boneco quebra-nozes vestido como soldado. Ela adormece com o brinquedo no colo, e sonha com o Quebra-Nozes como se fosse um oficial de verdade, que a defende do ataque de dezenas de ratazanas que encontram em um bosque de árvores gigantescas. Após vencê-las, chegam ao Reino das Neves, e em seguida são levados ao Reino dos Doces. No final, dançam juntos a Valsa das Flores, até que ela acorda, triste por tudo ter sido apenas sua imaginação. Pois bem, no longa dirigido por Lasse Hallström – que não deu conta do projeto sozinho, e precisou contar com a ajuda de Joe Johnston da metade das filmagens em diante – há algumas mudanças drásticas. Primeiro, as flores ganham status de reino. E, ainda mais importante, há um novo reino, o do Entretenimento, que foi banido. Clara, contando com a ajuda do Quebra-Nozes, fará de tudo para descobrir o que aconteceu por ali, mesmo diante das advertências da Rainha dos Doces.

O que logo se descobre, no entanto, é que ela acabou sendo enganado como parte de um plano da Rainha dos Doces, que em sua dissimulação desejava o contrário: que Clara não só confrontasse a Rainha do Entretenimento, mas dela conseguisse a chave de poderia colocar os quatro reinos novamente em funcionamento. Uma vez isso feito, a produção de muitos outros soldadinhos de chumbo – de tamanho humano – recomeça a todo vapor. Com isso ela ganha um exército capaz de se sobrepujar aos outros três reinos. Sua motivação é evitar novos sofrimentos, pois, como ficamos sabendo, quem esteve ali muitos anos antes foi a já falecida mãe de Clara, responsável por ter criado todo aquele universo fantástico, mas também por tê-los abandonados assim que retornou à sua vida ordinária. O ressentimento da Rainha dos Doces é maior do que as boas lembranças compartilhadas pelos reis das Flores ou das Neves, assim como de todos os demais moradores dos quatro reinos. E a única que poderá impedi-la de atingir seus maldosos objetivos é, obviamente, a própria Clara.

A troca de diretores é bastante perceptível. Hallström, indicado ao Oscar pelos dramas Minha Vida de Cachorro (1985) e Regras da Vida (1999), domina a primeira metade do filme, tentando oferecer alguma profundidade aos personagens. É por isso que Mackenzie Foy (que estreou no cinema como a infame filha dos vampiros Bella e Edward na saga Crepúsculo) consegue criar uma protagonista minimamente interessante, e nomes de peso como Morgan Freeman (o padrinho), mesmo com tão pouco tempo em cena, conseguem entregar participações marcantes. Já na segunda metade, quando a ação se faz mais presente, é visível a interferência de Johnston, vencedor do Oscar pelos efeitos especiais de Os Caçadores da Arca Perdida (1981) e responsável por aventuras como Jurassic Park III (2001) e Capitão América: O Primeiro Vingador (2011). É também por isso que as presenças de Helen Mirren (Rainha do Entretenimento), Eugenio Derbez (Rei das Flores) e Richard E. Grant (Rei das Neves) se tornam tão irrelevantes, na mesma medida em que Keira Knightley (Rainha dos Doces) não encontra o ponto exato da sua personagem, entregando uma criatura dada a tantos exageros que beira o insuportável.

Mais do que as conduções irregulares dos realizadores e um elenco fora de sintonia entre si, O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos peca, mesmo, pelo roteiro da novata Ashleigh Powell, que mais parece uma colcha de retalhos, com elementos já vistos em tantas outras produções similares. Temos a menina que está atravessando um momento difícil (a morte da mãe) e se refugia num mundo de fantasia (Alice no País das Maravilhas), um reencontro com esse universo e as cobranças por ter se mantido tanto tempo afastada (Peter Pan, ou melhor dizendo, Hook: A Volta do Capitão Gancho), além de reinos fantásticos sob perigo de uma fada tirana em ascensão (As Crônicas de Nárnia). Isso apenas para citar os mais evidentes. Como resultado, encontramos algo atropelado, que não chega a emocionar, muito menos envolver. Causa impacto, sim, num primeiro instante, seja pela grandiosidade dos cenários ou os figurinos extravagantes. Dez minutos depois, quando esse efeito se dissipa, o que resta é um produto genérico, facilmente esquecível e descartável. Uma lástima, portanto. Afinal, o Quebra-Nozes (que aqui não é mais do que um coadjuvante de luxo) merecia mais, e melhor.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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