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Sinopse

Na década de 1980, o governo militar brasileiro construiu uma enorme usina hidrelétrica na Amazônia, criando o reservatório de Tucuruí. A eletricidade gerada abastece a indústria de alumínio que consome muita energia, mas os habitantes das redondezas ainda esperam até os painéis solares para fornecer eletricidade.

Crítica

Este documentário traz uma curiosa maneira de se apresentar ao espectador. A cada vez que insinua o aprofundamento em alguma linguagem ou discurso específico, rompe consigo mesmo e muda de registro. Os letreiros iniciais, citando o prazer de Getúlio Vargas em “conquistar a terra e dominar a água” da Amazônia, sugerem uma leitura histórico-política da região, o que nunca se desenvolve de fato. A cena inicial, com um barco velejando calmamente ao nascer do sol, insinua uma abordagem poética, do tipo que extrai sua plasticidade das belezas naturais, porém este caminho tampouco ganha prosseguimento. Diversas imagens do próprio diretor, Fernando Segtowick, escolhendo seus enquadramentos e debatendo as cenas com a equipe se aproximam do processo metalinguístico, no caso, um filme sobre as dificuldades de se fazer um filme naquele contexto. Mas esta pista não vai adiante.

A estrutura fluida tem suas vantagens. Ela permite ao espectador ser pego de surpresa pelo desencadeamento narrativo, visto que nunca sabemos que o virá em seguida. Não há um protagonista único – nem mesmo o diretor-entrevistador, que desaparece durante o terço central -, nem uma temática precisa. Este não é um filme sobre a Amazônia, sobre as hidrelétricas, sobre a luta política dos moradores ou o descaso político dos governantes. Assim, evita a suposta obrigação de “passar uma mensagem”, de conscientizar o público, denunciar agruras ou se posicionar enquanto porta-voz de uma comunidade. A relação entre a câmera e aquela região se converte num tango: ora o cineasta está interessado nas histórias humanas, ora no potencial estético da natureza e dos casebres, e às vezes em nenhum deles, preferindo, por exemplo, incluir imagens de si mesmo nadando pelas águas e fazendo a barba. Seria interessante descobrir o roteiro escrito deste projeto, ou talvez as conversas na mesa de montagem com o editor Frederico Benevides. O filme teria sido sempre tão disperso, ou o processo de desconstrução nasceu após a captação das imagens?

No entanto, tamanha dispersão impede que O Reflexo do Lago (2020) se aprofunde em qualquer uma de suas possibilidades político-estético-narrativas. A obra poderia ser fascinante caso se aprofundasse nas contradições econômicas e governamentais, mas a passagem às queimadas do governo atual ocorre num segmento veloz demais, sem imprimir um peso suplementar às imagens que a antecedem ou sucedem. O olhar antropológico, sociológico, as composições poéticas e o registro metalinguístico poderiam representar, cada um, um olhar digno de interesse, caso se desenvolvessem. No entanto, os múltiplos acenos se atropelam dentro da curta narrativa. Terminamos a experiência sem conhecer mais sobre nenhum dos moradores, ou ainda sobre as circunstâncias exatas da construção da hidrelétrica, da chegada de painéis solares, da relação entre os moradores e a política partidária. A montagem interrompe as cenas antes que elas completem seu sentido: os personagens assistem às declarações de Bolsonaro sobre a Amazônia na televisão, mas o que pensam a respeito? Segtowick reflete sobre entrevistas que “às vezes não funcionam”, mas o que teria feito em seguida para contornar as dificuldades do processo?

O filme apresenta relações fortemente causais, sem apresentar suas consequências. Permanecemos, então, diante de uma série de conflitos abortados. Ao menos, a direção de fotografia busca trazer uma coesão estética à polifonia narrativa. Thiago Pelaes constrói sólidas imagens em preto e branco, em registro de baixo contraste, evitando a sedução fácil das belas luzes, dos pores do sol, da romantização da miséria ou da natureza. Através do preto e branco, O Reflexo do Lago exclui a beleza clássica das cores da natureza (os tons de verde das árvores, os diferentes azuis do céu e das águas), forçando o espectador a se atentar às formas, texturas e tons de cinza. Este é provavelmente o melhor aspecto do projeto: a sua capacidade de fugir à Amazônia do imaginário coletivo para se focar numa região ribeirinha que talvez perca um pouco de sua especificidade, por não se aprofundar no caso específico de Tucuruí, mas ganhe em desmistificação humana e natural.

Por fim, o filme sofre sobretudo por sua indefinição de ponto de vista. Ora a direção está junto dessas pessoas, ora os observa de fora, como objetos de estudo. Em alguns momentos, os habitantes discursam livremente (ainda que o tema das conversas soe estimulado pelo cineasta), em outros, prestam depoimentos clássicos à câmera. Segtowick às vezes assiste às entrevistas realizadas por ele mesmo na tela de um computador. Em outros momentos, no jogo de perguntas e respostas dos habitantes locais com o diretor em cena, aproxima-se da reportagem jornalística. Há muitos filmes em um só, e nenhum deles adquire autonomia. Pelo menos, entre tantos tipos de registros, alguns naturalmente se sobreporiam aos demais. A dança de um casal no bar, enquanto o cachorro ocupa a vez de garçom, de pé atrás do balcão, rende um bom efeito plástico; e o mesmo pode ser dito do material de arquivo sem qualquer forma de som ou trilha sonora. Há muito a se aproveitar dentro de O Reflexo do Lago, mas separadamente, como partes dispersas de um curioso pot-pourri.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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