Crítica
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Sinopse
O explorador Hugh Glass experimenta o pão que o diabo amassou numa área inóspita dos Estados Unidos. Atacado mortalmente por um urso, é deixado para morrer por sua própria equipe. Contra todas as probabilidades, ele permanece vivo e começa um caminho de redenção e vingança.
Crítica
Alejandro González Iñárritu conseguiu de novo. Depois de ter comandado o excepcional Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância), em 2014, levando para casa os Oscar de Melhor Filme, Diretor e Roteiro, o cineasta mexicano já aparece com outro trabalho digno de nota. Detalhe: ele nunca havia lançado filmes com intervalo curto. Ou seja, o que ele conseguiu executar em tão pouco tempo é simplesmente impressionante. Em O Regresso, o diretor comanda uma de suas obras mais audaciosas, colocando sua equipe e elenco em condições de frio extremo para contar, em última análise, uma história de vingança. E que história!
Baseado em parte na novela de Michael Punke, o roteiro assinado por Iñárritu e Mark L. Smith é, no fim das contas, um faroeste filmado no gelo – curiosamente lançado no mesmo ano em que Quentin Tarantino também assina um western abaixo de neve, Os Oito Odiados (2015). A trama se passa em 1823, no antigo território conhecido como Louisiana (muito maior que o estado da Louisiana dos dias de hoje). Com temperaturas baixíssimas, os comandados do capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson) estão na região à procura de animais para extrair suas peles. Os nativos dali tentam de todas as forças expulsá-los. E é neste cenário que Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) é deixado a ponto de morrer.
Depois de ser atacado por um urso pardo, o experiente caçador se transforma em um peso para a comitiva, demandando cuidados. Henry decide deixar Glass para trás, sob vigília do filho do caçador, o índio Hawk (Forrest Goodluck), o jovem Bridger (Will Poulter) e o insolente John Fitzgerald (Tom Hardy). Este último havia sugerido a morte do companheiro, mas ficou para trás ao saber da recompensa pela assistência do ferido. Os planos dele, na verdade, eram resolver a questão com suas próprias mãos quando sozinho, tirando a vida do então moribundo. Fitzgerald, sem saber, falha no intento e deixa um Hugh Glass furioso para trás, espumando ódio e querendo vingança. Nenhuma intempérie de tempo, nativo americano ou animal selvagem o removerão de seu caminho.
Se Leonardo Di Caprio não ganhar seu tão cobiçado Oscar depois de sua total entrega ao papel de Hugh Glass, nada mais convencerá os votantes da Academia a lhe concederem a honraria. O ator simplesmente desaparece sob a barba farta e os cabelos desgrenhados, vivendo um homem que conheceu o inferno diversas vezes em um período curtíssimo de tempo. O ataque do urso é apenas uma parte deste terrível momento. Com poucos diálogos, Di Caprio recorreu a tudo o que aprendeu nos mais de vinte anos de carreira para passar toda a angústia, medo e raiva daquele personagem apenas com suas expressões faciais. Ele grunhe, ele cospe, ele sangra pelos olhos. Ele perdeu seu bem mais precioso enquanto estava preso à uma maca, sem possibilidade de se mexer. Esta dor possui uma face, a de John Fitzgerald. E ele pagará caro por seus feitos.
Tom Hardy, por sua vez, foi indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante sem ter sido lembrado pela maioria dos prêmios mais importantes de Hollywood. Bom ver que a Academia faz justiça a uma performance poderosa, ainda que o personagem do ator perca pontos pela unidimensionalidade. De qualquer forma, o ator se transforma em um homem vil e sem escrúpulos, que utiliza da força bruta e de qualquer vantagem que consiga para alcançar seus objetivos. Também bastante maquiado, com uma calvície falsa, Hardy mergulha no papel assim como seu companheiro de tela. O embate só impressiona pela performance de ambos os atores.
Outro ponto impressionante em O Regresso é o olho do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki. Depois de ter vencido dois Oscar seguidos por Gravidade (2013) e Birdman (2014), o mexicano pode se tornar o primeiro profissional nesta categoria a vencer três vezes consecutivas. Quem assiste ao filme entende o porquê. Não é só a beleza estética das imagens que chama a atenção, mas a forma diferente com que ele captura estas imagens. Em primeiro lugar, ele utiliza apenas luz natural para filmar. Tudo o que vemos ali foi fotografado com a luminosidade encontrada nos locais. O desafio é imenso, mas Lubezki dá conta com maestria.
Em segundo lugar, o diretor de fotografia resolveu abandonar o filme e gravar tudo em formato digital, com uma câmera que vem conquistando espaço em Hollywood: a Arri Alexa 65, com lentes entre 12mm e 21mm. O motivo? Poder se aproximar mais e mais da ação. Não à toa, o espectador acaba se sentindo uma testemunha ocular de tudo, como se estivéssemos acompanhando algo real. Em terceiro, os diversos planos-sequência ajudam também neste feeling de “cinema verdade”. A abertura do filme, com um combate entre caçadores e índios com planos incrivelmente longos, mostra não só o talento de Lubezki, mas de Iñárritu, que consegue bolar sequências que deixam qualquer um pasmo. Mad Max: Estrada da Fúria (2015) achou adversário à altura no que tange às cenas de ação mirabolantes.
É possível que parte do público se incomode com a história pouco elaborada, visto que se trata de um filme de vingança, pura e simples. No caso de O Regresso, o mais importante não é a trama, mas a experiência completamente sensorial que diretor e sua equipe propõe ao espectador. Desde a batalha inicial, passando pelo ataque do urso e culminando com o embate final, estamos sempre junto dos personagens, vivenciando aqueles momentos aflitivos, mas no conforto da sala de cinema. Iñárritu prova, de uma vez por todas, que não é necessário 3D para conseguir fazer com que sua plateia fique imersa. Basta apresentar algo que não tenhamos visto ainda. E este filme tem este gosto de novidade, ainda que trate de assuntos já trazidos por dezenas de outras produções. Tudo está na mão de quem conduz e o diretor mexicano dá provas cada vez maiores de ser um grande maestro.
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Tecnicamente achei o filme perfeito, mas embutido na narrativa vem junto todos os cliches do genero, o passado traumatico contado em fhasback, as visão da esposa morta (uma bela india que poderia ser modelo) que lhe dão esperaça, a ajuda inesperada de um desconhecido (pra justificar o fator de cura do nosso herói), o jogo de cena batido do Homem branco x Indigenas, a luta final, etc... eu gostei do filme mas acho que a união desses fatores enfraquecem a trama, o filme seco, perturdador e agonizante fica mais no imaginário.