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Sinopse

Em 1809, na França, o capitão Neuville é chamado para o batalha, deixando sua futura noiva com o coração partido. Vendo a tristeza da moça, sua irmã decide escrever cartas em seu nome para animá-la. Porém, tudo vai por água abaixo quando Neuville reaparece.

Crítica

A época é o começo do século XIX. O capitão Neuville (Jean Dujardin) pede a mão da jovem Pauline (Noémie Merlant) em casamento, sob os protestos da irmã mais velha dela, Elisabeth (Mélanie Laurent), única que fareja de longe o engodo uniformizado que impressiona todos. Antes do enlace, uma chamada do exército o obriga a afastar-se. A noiva, desolada, cai de cama. A primogênita, para não ver a caçula morrer de sofrimento, escreve cartas fingindo ser o prometido que, sequer, dá notícias. Pronto, está armado o cenário de O Retorno do Herói, longa-metragem abertamente farsesco do cineasta Laurent Tirard. Mesmo que consigamos antever boa parte dos passos da trama, exatamente porque seu andamento é totalmente condicionado pelos cânones do gênero ao qual se filia, sorve-se com prazer cada desdobramento das mentiras contadas para sustentar as aparências e gerar a fábula centralizada num suposto militar corajoso, cujo valor passaria pelo enfrentamento solitário do exército inimigo, a criação particular de elefantes e aventuras empolgantes ao redor do globo.

Como em O Homem que Matou o Facínora (1962), o enredo de O Retorno do Herói também se fundamenta numa lenda que foi “publicada” como verdade. Todavia, bastante distante da dramaticidade e da profundidade do clássico dirigido por John Ford, este exemplar francês é focado nas consequências jocosas de uma sucessão absurda de fraudes. Contrariando a narrativa concebida por Elisabeth, a de que o capitão morrera heroicamente em combate – cujo intento era permitir a Pauline dar sequência à vida nos braços de outro, sem esperar uma volta improvável – Neuville regressa na condição de mendigo, pois desertou durante uma famosa e sangrenta batalha. A partir desse instante, há, de cara, uma fricção entre o genuíno e o inventado. Para que os loroteiros não sejam desmascarados, ela como farsante, ele enquanto covarde/fraude, acabam unindo forças, embora especialmente a jovem demonstre aversão em sua presença. A máxima “quem desdenha quer comprar” paira sobre o relacionamento dos dois, geralmente às turras, discordando, inclusive, acerca da imagem do personagem a ser mantido publicamente.

Laurent Tirard faz um filme engraçado, que se apropria devidamente de uma tradição precedente, apostando em duas pessoas carismáticas, cada qual à sua maneira, e num bando de coadjuvantes que funcionam como boas “escadas”. Elisabeth não se encaixa exatamente no arquétipo da “mais velha solteirona”, amplamente utilizado nesse tipo de produção, mas Mélanie Laurent tem tarimba suficiente para fazer breves alusões ao modelo, vide a reprovação dos ímpetos libertinos de Pauline. Aliás, são impagáveis as cenas da caçula, contrariando o comportamento burguês e recatado, pedindo para Neuville ser violento durante o sexo. Dujardin cria um tipo trambiqueiro e enganador, mas que conserva predicados para se consolidar como o verdadeiro interesse romântico da outrora irritadiça mulher determinada a desmascara-lo. Exatamente porque são ambas figuras que “devem na praça”, precisam unir forças, consequentemente se aproximando, o que motiva vínculos insuspeitos, ou seja, o desenvolvimento de um afeto mútuo que o espectador percebe antes.

O Retorno do Herói também possui um roteiro esperto, com pistas do que vai acontecer no decorrer na história. As balelas estão sempre a um passo de ser deflagradas. Neuville, inebriado pela admiração da sociedade local, vai inflando ainda mais a sua versão fantasiosa de feitos impressionantes, crescentemente descolados de qualquer ideia de verossimilhança. Elisabeth, por sua vez, reclama a maternidade do personagem, porque ela criou uma ideia de heroísmo inexistente, prestes a ser vilipendiada pelo homem que manifestou fraqueza no front da guerra. A dinâmica entre os protagonistas, esse jogo de repulsa e atração, é o que guia o longa-metragem, amparando as demais observações, como a da burguesia alienada e ignorante ao ponto de cair nas lorotas do farsante que, inclusive, desenvolve um sistema para ganhar dinheiro a partir de sua suposta idoneidade como símbolo de bravura. A direção se destaca por manter equilibrado esse pandemônio paulatino, abrindo espaço para um relato dramático que quebra oportunamente o ritmo. A qualidade dos atores se encarrega do resto.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
7
Filipe Pereira
3
MÉDIA
5

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