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Sinopse

Fneep é um jovem alienígena enviado à Terra com a missão de colonizar o planeta. No entanto, o estrangeiro tem um temperamento dócil e se torna amigo dos animais. Juntos, terráqueos e alienígenas vão mudar a configuração espacial.

Crítica

Na trama desta animação, ao alienígena Fneep (Ed Kear) é encarregado de conquistar a Terra e sequestrar a população. Mas o personagem não consegue concretizar sua tarefa por ser dócil demais. Os animais da selva africana deveriam oferecer algum tipo de resistência ao invasor, porém o acolhem com sorrisos, abraços e a permissão para liderar o grupo. Uma manada de antílopes é tomada pelo ímpeto de combater outras espécies, até fracassar no plano, por ser ingênua e limitada intelectualmente. Abelhas perseguem o protagonista, e então mudam abruptamente de curso. Alienígenas poderosos possuem armas avançadas que jamais utilizam. O Ritmo da Selva: O Filme (2020) constitui uma experiência inofensiva, em diversos sentidos do termo. Para fugir à violência e animosidade entre personagens infantis, o diretor Brent Dawes exclui os conflitos. Adversários são tolerados e mimados; inimigos têm o ego inflado por elogios aos seus dotes vocais; o sapo que engole uma arma jamais a cospe, nem aproveita o objeto. As raras ações se revelam inconsequentes, sendo esquecidas em seguida – em outras palavras, os heróis têm pouco ou nada a fazer ao longo da narrativa.

O fraquíssimo roteiro deste longa-metragem possui uma provável justificativa: os personagens decorrem das séries infantis O Ritmo da Selva (2003 - 2015), com episódios sem diálogos de cinco minutos cada, e Munki and Trunk (2016 - ), com episódios de sete minutos cada. Estas figuras superficiais foram concebidas para agradarem ao olhar através de suas cores e pureza, porém jamais tinham ocupado uma narrativa de longa-metragem. Incumbido de conduzir os animas através de uma extensa aventura, o diretor não sabe o que fazer com eles, apelando a uma colagem de esquetes de humor físico (animais tropeçando e caindo, o porco-espinho rabugento, o rinoceronte que acredita ser um cachorro) dissociadas o dilema de Fneep. A partir do momento em que a criatura extraterrestre, em formato de slime, verbaliza o desejo de conquistar a Terra, e recebe como resposta um alegre “Tudo bem!”, a trajetória do herói se encerra – objetivo conquistado! Talvez esta premissa ocupasse bem os cinco ou sete minutos da televisão. Ora, resta muito tempo a preencher, e Dawes lança referências tímidas a O Rei Leão (1994), a E.T.: O Extraterrestre (1982) e outros clássicos, numa tentativa de humor que, por medo de ofender, surte efeito nulo.

Quanto à estética da animação, o desenho dos personagens possui o mínimo esmero esperado de um trabalho profissional, tendo custado US$ 8 milhões para produzir. No entanto, a paisagem desta produção mauriciana-sul-africana soa pasteurizada, empobrecida em sons, texturas e variedades de animais. Os cenários se tornam idênticos, correspondendo ao imaginário de uma África idealizada. O discurso concebe um paraíso selvagem e primitivo, repleto de bichos ignorantes, sem malícia nem capacidade de se defender. As eventuais vitórias da trupe virão por sorte ou acaso, porque Dawes sustenta o conceito do bom selvagem. Para uma história abordando uma guerra interplanetária incluindo colonização e sequestro, a solução de apaziguar os inimigos pelo poder do abraço chega a ser ofensiva. Obviamente, ninguém espera que uma produção voltada às crianças pequenas se converta num banho de sangue. Entretanto, os criadores optaram por este contexto, precisando arcar com a responsabilidade ética na representação dos conflitos. Os valores de um conteúdo “fofo”, “paspalhão” e “inocente” resultam pobres para uma pequena série de televisão, e paupérrimos dentro de um longa-metragem.

Outros aspectos podem ser questionados – no caso, a representação do estrangeiro. Os animais de O Ritmo da Selva: O Filme (2020) possuem sotaque norte-americano, ao passo que o invasor Fneep ostenta forte pronúncia britânica. Entretanto, o projeto nunca aprofunda a referência histórica à ocupação da América do Norte – sem falar na questionável imagem da “outra raça” atribuída ao europeu. Em se tratando de um cenário africano, a construção do colonizador gentil que chega às terras, sendo prontamente acolhido pelo povo autóctone que o elege líder, incomoda em igual medida. Quem se lembra da tese recente de um presidente de extrema-direita de que nunca houve escravidão, pois os negros teriam se oferecido de bom grado aos trabalhos forçados? Uma sugestão ainda mais abjeta se encontra na conclusão de que, se os dois povos se encontram naquele espaço, pouco importa de onde venham: eles teriam direitos iguais de ocupar o território. Após séculos de colonização europeia, exploração norte-americana e invasão de superpotências, as distintas nações africanas devem ter dificuldade de aceitar este princípio de posse compartilhada. Isso decorre do fato que a obra constitui, infelizmente, um produto para exportação, onde a cultura local se transforma em veículo de exotismo.

A dominação norte-americana no ramo das animações acaba despertando a ideia de que qualquer animação infantil, tradicionalmente cara e difícil de viabilizar, deveria corresponder à estética e ao discurso dos Estados Unidos, para garantir maior chance de audiência e retorno financeiro. Quem se lembra do brasileiro Lino: Uma Aventura de Sete Vidas (2017), onde os protagonistas eram perseguidos por policiais norte-americanos comendo donuts? O filme de Dawes empobrece o princípio da correria desenfreada entre animais em busca de um bem comum, graças a uma narrativa desconexa. Podendo finalmente aprofundar os personagens presos às curtas esquetes da televisão, prefere introduzir personagens novos, a exemplo dos alienígenas, deixando aos bichos a função de alívios cômicos. A representação de mulheres como dóceis e maternais, enquanto os homens desempenham a função de colonizadores do espaço e líderes da manada, sublinha a visão retrógrada do mundo. Além disso, nenhum animal possui objetivo próprio, dedicando a narrativa inteira a ajudar o invasor e ensiná-lo o poder do amor. Mesmo voltada a uma produção infantil, a mensagem de que abraços superam feridas históricas resulta num esforço contraproducente. Ao invés de confrontar o passado pela perspectiva da reparação, a obra solicita que os dois lados esqueçam os problemas para seguirem juntos, de mãos dadas. Este é um discurso perigosamente anti-historicista.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Bruno Carmelo
2
Cecilia Barroso
3
MÉDIA
2.5

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