O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut
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David Teboul
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François Truffaut, le scénario de ma vie
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2024
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França
Crítica
Leitores
Sinopse
Em O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut, o cineasta François Truffaut ainda tem muito para nos contar sobre si mesmo, sobre a vida, sobre a infância e sobre nós. Quase 40 anos após a sua morte, o principal diretor da Nouvelle Vague relembra sua infância e os primeiros 30 anos de sua vida. Exibido no Festival de Cannes 2024.
Crítica
As conhecidas rusgas entre François Truffaut e Jean-Luc Godard são comumente reproduzidas por seus admiradores. Os fãs de um parecem se sentir obrigados a encontrar “defeitos” no outro. Antes amigos do peito, Truffaut e Godard romperam relações e nunca mais as reataram até a morte precoce do primeiro. E um dos argumentos mais utilizados pela turma de Godard para desvalorizar Truffaut (nessa continuação absolutamente infantil da rivalidade) é que o diretor de Os Incompreendidos (1959) não fazia um cinema tão provocativo e linguisticamente inovador quanto o do realizador de Acossado (1960). O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut não entra nessa rinha inútil, pois tem uma tese principal que passa longe das comparações: a vida e a obra de Truffaut seriam indiscerníveis e se retroalimentariam. Documentário selecionado para o Festival Varilux de Cinema Francês 2024, ele faz um apanhado que vai da infância cheia de dificuldades com os pais, passando pelo apadrinhamento de André Bazin (um dos maiores críticos de cinema de todos os tempos), pela entrada no cinema, chegando até à morte de Truffaut aos 52 anos depois de um aneurisma. O percurso é marcado por indícios consistentes e convincentes de que Truffaut teria exorcizado os seus demônios pessoais por meio de um processo artístico que teve funções criativas/terapêuticas: transformar tudo e todos em cinema.
O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut é um mergulho na intimidade desse sujeito que encontrou na delinquência uma válvula de escape para lidar com a ausência paterna/materna e também com a falta de expectativas. O cineasta David Teboul utiliza um vasto material de arquivo para conferir acesso privilegiado à intimidade do homem que escrevia sobre as suas insatisfações e inseguranças mesmo quando já era reconhecido mundialmente como um dos principais vetores da badalada nova onda do cinema francês. O roteiro traça uma linha cronologicamente reta, ou seja, somos apresentados ordenadamente à biografia de Truffaut. E essa trajetória é contada por meio de entrevistas, da dramatização de cartas enviadas a familiares, colaboradores e amigos, mas também pelas correspondências destinadas a ele. Na medida em que o resumo vai sendo construído, fica muito claro que Truffaut fez do cinema não apenas a sua paixão, mas também uma maneira de reelaborar os temas que o assombravam pessoalmente. David opta por algo ilustrativo a partir das associações. Quando Truffaut fala de algo que encontra alguma equivalência em seus personagens ou nas situações de seus filmes, Teboul mostra o trecho em questão que confirmaria a tese de que vida e obra estão conectadas. Pode-se falar em cinema didático, do tipo que privilegia a clareza da informação e não tanto uma possível beleza poética.
A partir da estrutura narrativa montada por David Teboul, são perceptíveis os ecos da insegurança amorosa de Truffaut nos seus heróis românticos e também ficcionalizações de acertos de contas pouco citados em meio ao debate sobre a sua obra. É revelador, por exemplo, que ele tenha feito Jules e Jim: Uma Mulher para Dois (1962) em parte como homenagem à mãe, numa tentativa de elaborar artisticamente a relação conflituosa do mundo real. Em O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut, o ícone não reivindica o status de mártir, falando de maneira sóbria a respeito dos traumas colecionados ao longo da juventude. No entanto, é possível fazer uma leitura interessante (a partir das entrelinhas) e perceber que Truffaut era um homem profundamente ressentido pelo abandono parental, sujeito que carregou como uma cicatriz chamativa a sua dificuldade para lidar com a ternura e o afeto. Curiosamente, David Teboul pisa no freio quando poderia estabelecer um paralelo entre as barreiras emocionais enfrentadas por seu protagonista e as turbulências matrimoniais que levaram ao seu próprio divórcio. Não fica muito claro se a opção por essa desaceleração tem a ver com um receio de manchar a imagem de Truffaut (o que não aconteceria, pois o retrato humano comportaria perfeitamente eventuais falhas de caráter) ou se o realizador teve o receio de cair num psicologismo barato e meio banal.
O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut não é um panorama abrangente. Está mais para um retrato íntimo diante do qual podemos encontrar (se o contemplarmos com atenção) traços nem sempre explorados de um homem constantemente restrito à sua importância como uma das ignições da Nouvelle Vague francesa. Em temos simplistas como o nosso, Jean-Luc Godard segue visto como um revolucionário e François Truffaut como o cineasta que rapidamente cedeu ao classicismo. Um seria o inquieto e o outro o conformado. Mas, se ainda quiséssemos argumentar dentro dessa dicotomia geralmente infrutífera, poderíamos pensar que Godard era um burguês indignado fazendo cinema por necessidade expressiva, enquanto Truffaut era o menino abandonado que encontrou na Sétima Arte um modo de sobreviver. Em diversos sentidos. No entanto, recomenda-se evitar as rixas, até porque elas sequer esclarecem o que falta/sobra em um e no outro. É possível (e também indicado) amar tanto Jean-Luc Godard quanto François Truffaut. O documentário em questão não tem uma linguagem rebuscada, é verborrágico e talvez para alguns não traga grandes novidades a respeito de seu protagonista, bem como sobre o meio no qual ele cresceu até virar um gigante. Porém, David Teboul desenha uma experiência propícia para termos empatia por esse sujeito que encarou o cinema como a tábua de salvação.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês em novembro de 2024.
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