O Sacrifício do Cervo Sagrado
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The Killing of a Sacred Deer
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2017
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Irlanda / Reino Unido / EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Steven é um cardiologista conceituado. Ele é casado com Anna, com quem tem dois filhos: Kim e Bob. Há algum tempo mantém contato frequente com Martin, um adolescente cujo pai morreu na mesa de operação, justamente quando era operado por Steven. Ele gosta bastante do garoto, tanto que lhe dá presentes e decide apresentá-lo à família. Entretanto, quando o jovem não recebe mais a atenção de antigamente, decide elaborar um plano de vingança.
Crítica
A busca pelo incômodo está no centro da obra de toda uma geração contemporânea de cineastas europeus, dentre os quais, o grego Yorgos Lanthimos, que despontou no circuito de festivais com Dente Canino (2009), aparece como um dos nomes mais celebrados. Se mantendo fiel a um estilo marcado pelo olhar misantropo e por um forte apreço pelo absurdo, Lanthimos embarca em sua segunda produção internacional, O Sacrifício do Cervo Sagrado, trazendo a história de Steven Murphy (Colin Farrell), renomado cardiologista que leva uma vida aparentemente perfeita ao lado da esposa, Anna (Nicole Kidman), dentista igualmente conceituada, e dos filhos Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic). Essa harmonia, contudo, passa a ser abalada pela presença de Martin (Barry Keoghan), garoto com o qual Steven desenvolve uma amizade envolta em segredos.
Dos encontros furtivos para o almoço e caminhadas até a troca de presentes e o convite para um jantar na residência dos Muphy, Lanthimos sustenta a ambiguidade da relação do cardiologista com Martin durante quase todo o primeiro ato. Gradativamente, a natureza da dinâmica é revelada, ganhando contornos de obsessão e culminando numa trama de vingança que afetará todos os membros da família de Steven. Como em seus trabalhos anteriores, o cineasta constrói a narrativa sobre uma dramaturgia propositalmente artificial, na qual as atuações soam monocórdias, com variações mínimas de emoções – os personagens discutem sobre temas triviais, como pulseiras de relógio, e assuntos de vida ou morte basicamente no mesmo tom. Uma impassibilidade traduzida até no fetiche sexual de Steven, se excitando ao ver a esposa como um objeto inanimado, em modo “anestesia geral”, como a própria define.
Tal escolha se presta à criação do estranhamento e do humor particular, quase sempre ancorado no constrangimento, que se mostrou em perfeita sintonia com a realidade fantasiosa, de um futuro distópico, apresentada em O Lagosta (2015), no qual Lanthimos imprimia sua marca numa espécie de comédia romântica. Aqui, tendo como inspiração a tragédia grega Ifigênia em Áulis, de Eurípides, ainda que existam alguns momentos que suscitem risos nervosos, o flerte é com o cinema de gênero, com o terror, totalmente voltado à busca pelo desconforto. Refazendo a parceria com o cineasta, Farrell se mostra ambientado dentro desse universo. Ostentando uma longa barba grisalha, o ator irlandês compõe com cuidado uma figura que transmite a incredulidade e impotência necessárias diante dos acontecimentos cada vez mais bizarros que o cercam. Kidman se mostra igualmente disposta a abraçar a proposta do longa, bem como o elenco jovem, em particular Keoghan, cuja presença peculiar se mostra adequada à personalidade perturbada e dúbia de Martin, trafegando habilmente entre a fragilidade e a crueldade.
A atmosfera estabelecida por Lanthimos em torno desses personagens provoca o efeito instigante desejado, contudo, diferentemente de O Lagosta, em que a excentricidade do conjunto ainda permitia espaço para que questões mais abrangentes fossem exploradas – como a incomunicabilidade, a solidão ou a quebra dos conceitos pré-estabelecidos que guiam as relações amorosas – aqui o cineasta oferece um exercício de estilo que parece se encerrar em si próprio. Algo que seria válido caso O Sacrifício do Cervo Sagrado se assumisse como tal desde o princípio. A sensação que fica, porém, é a de que, a cada plano, Lanthimos ambiciona algo muito mais complexo. A trilha sonora erudita, os travellings pelos corredores, os closes enigmáticos, os cortes abruptos, tudo sugere uma gravidade, um ar de importância, que nunca se materializa.
Há uma clara tentativa de impor um significado metafísico, vide os “poderes” nunca explicados de Martin, a essa culpa burguesa que se abate sobre a família de Steven, se mostrando passível de uma punição divina – a reafirmação do contraste da vida abastada dos Murphy com a realidade modesta do garoto denota isso. No entanto, tais intenções nunca ultrapassam a barreira do ímpeto provocativo de Lanthimos, que acaba minando a possibilidade de reflexões mais aprofundadas em favor da necessidade de criar momentos de choque, quase sempre efetivos, mas muitas vezes gratuitos – do plano de abertura que mostra uma cardioplastia real até a curta participação de Alicia Silverstone como a mãe de Martin. O tenso clímax, com ecos de Violência Gratuita (1997), de Michael Haneke, cujo niilismo latente exerce uma grande influência sobre Lanthimos, sintetiza bem as qualidade e fragilidades de O Sacrifício do Cervo Sagrado. Pois, apesar de impactante num primeiro momento, termina não ressoando com a força imaginada, deixando um vazio quase indiferente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 6 |
Matheus Bonez | 8 |
Yuri Correa | 10 |
Robledo Milani | 8 |
Francisco Carbone | 9 |
MÉDIA | 8.2 |
acabei de ver e vim aqui ler. excelentes pontos, leo!
Eu queria saber qual o critério pros ditos críticos aí que deram 4 ou mais estrelas pra esse filme. Vão equiparar esse filme aos melhores que já viram?? Achei a crítica acima bem sensata e a nota condizente.
eu odiei, péssimo, sem sentido, um dos piores filmes que já vi