Crítica
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Sinopse
A partir de referências musicais, da relação com familiares e amigos, bem como da inserção no mundo da música, a trajetória artística e pessoal de Alcione Dias Nazareth, uma das grandes intérpretes brasileiras.
Crítica
Há dois longas-metragens entre os selecionados à mostra competitiva brasileira do 48º Festival de Cinema de Gramado que falam de grandes personalidades musicais. Curiosamente, ambos emprestam seus títulos de músicas famosas desses artistas e utilizam vários fragmentos televisivos para ajudar a desenhar suas notoriedades. Me Chama que Eu Vou (2020) fala de Sidney Magal. O Samba é Primo do Jazz aborda a trajetória de Alcione. São projetos chancelados pela Globonews. Vistos tão proximamente, deixam uma sensação de serem feitos dentro de parâmetros, como se numa linha de produção que torna menos evidentes as particularidades em prol de caminhos similares. Também se valendo de uma gama considerável de imagens de arquivo – assim como sua colega Joana Mariani –, a cineasta Ângela Zoé supostamente investiga a trajetória da Marrom tendo a sua musicalidade como guia. Mas, isso é um desejo atingido em poucos (e bem-vindos) instantes, como ao conferir tempo à protagonista para falar do sincretismo de sua crença na música.
Porém, a despeito do acesso privilegiado à intimidade de Alcione nas passagens de som, o que temos é um mal disfarçado percurso comum, dentro do qual familiares, colaboradores e amigos acabam trazendo à tona um resumo feito de episódios que vão da formação à ocupação de um lugar privilegiado no Olimpo da música popular brasileira. Aos fãs, O Samba é Primo do Jazz dispõe diversos instantes de deleite, vide o retorno da artista à sua terra natal para comemorar junto aos seus o completar de sete décadas de vida. Àqueles porventura interessados em compreender melhor essa miríade de influências sonoras, o trânsito do aprendizado musical com o pai ao estrelado, talvez sobrará uma frustração condizente com a expectativa gerada. Há mais terreno para a irmã/empresária remontar ao gênio de Alcione, à capacidade de ser maternal para salvaguardar a família, do que o conferido ao entendimento das (tantas) bagagens se avolumando ao longo dos anos. É um retrato afetivo, mas parcial, cujo recorte poderia ser menos generalista e limitado.
Há um diálogo interessante nas diversas Alciones que aparecem em períodos e programas de televisão diferentes. Essas intervenções visam mostrar não apenas a frequência da protagonista em canais midiáticos consagrados, mas, principalmente, a sua presença constante na vida do brasileiro. Na toada de Me Chama que eu Vou, O Samba é Primo do Jazz é um filme-elogio, dentro do qual não cabem contestações. Assim eleva a protagonista ao firmamento dos seres a serem adorados irremediavelmente. A maranhense que migrou ao Rio de Janeiro em busca de oportunidades no ramo, logo sendo transformada num ser noturno vagante pelas boates em que começou a chamar atenção, fala das perspectivas com relação ao amor. Com a mesma carga meramente informativa, menciona a paixão pela Estação Primeira de Mangueira, aparece nas imagens de arquivo ao lado de Cartola e companhia, bem como faz uma espécie de retrospectiva com cara de versão oficial revisitada (e editada) da própria história. Ângela Zoé se encarrega de organizar o vasto material disponível.
O Samba é Primo do Jazz prega essencialmente para convertidos, ou seja, é moldado ao público que conhece Alcione e que possivelmente não vai se importar com a falta de densidade da estrutura narrativa do documentário. Ângela Zoé sinaliza que estamos diante de uma artista com múltiplas faculdades, dona de uma voz e um conhecimento musical prodigiosos, mas não expande essa deflagração que poderia conferir à Marrom o status que ela merece. A transição da música romântica para o samba passa despercebida, sendo simplesmente apontada dentro da compreensão do panorama comercial no qual ela se inseriu com a ajuda valiosa de nomes célebres, tais como Jair Rodrigues. O próprio parentesco entre samba e jazz, que poderia ser estudado como símbolo do ecletismo que caracteriza a carreira de Alcione, as influências aparentemente divergentes convergindo na projeção da voz poderosa e da presença transbordante, é restrito às curiosidades. Encaixando burocraticamente fatos, histórias e lembranças, a cineasta faz algo com cara de doc jornalístico.
Filme visto online no 48º Festival Internacional de Cinema de Gramado, em setembro de 2020
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