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Crítica


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Sinopse

Davi é um tímido estudante de cinema que esconde um passado sombrio. Ao visitar sua vizinha, Maria, um instinto esquecido vem à tona e ele comete seu primeiro assassinato. Na manhã seguinte, para surpresa de Davi, Maria reaparece em seu apartamento e passa a influenciar o garoto a seguir numa jornada de crimes que revelarão sua verdadeira natureza: a de um serial killer.

Crítica

Um menino loiro está com a família em um campo. Entre vários cortes de cena, num deles uma figura mais velha passeia carregando, numa mão, um revólver dourado, ao mesmo tempo em que na outra segura a criança. São momentos cheios de luz em que a fotografia exalta a beleza das paisagens, enquanto insere um elemento tão destrutivo quanto uma arma. Talvez por isto mesmo o mundo sombrio do protagonista de O Segredo de Davi não pareça tão chocante ao descobrirmos que, anos depois desse episódio (que pode muito bem ter sido apenas um devaneio), o rapaz, já um jovem adulto, viva num apartamento de classe média baixa, num prédio antigo e deixado às traças, envolto em sombras. Neste suspense com altas doses de drama psicológico, o cineasta e roteirista Diego Freitas tem uma bela estreia em longas-metragens ao contar a vida de um assassino com uma mente tão fragmentada.

O serial killer em questão é Davi (Nicolas Prattes), um jovem estudante de cinema que tem como hobby filmar outras pessoas sem que elas o vejam. É o caso de Jônatas (André Hendges), mestrando por quem o protagonista desenvolve um certo fascínio, retribuído de forma sedutora no decorrer desta amizade improvável. É na convivência com o rapaz mais velho que o jovem acaba tendo um insight de libertação que envolve a morte de outras pessoas. A primeira delas é uma idosa, supostamente sua vizinha. O rapaz filma o ato sem se mostrar, e fica famoso por publicar este e os outros crimes que o seguem na internet.

O roteiro é hábil em trabalhar o mistério sobre o porquê de Davi cometer seus crimes, deixando o público mais instigado com seus motivos e como as peças devem se encaixar, do que com a pouca empatia que o protagonista oferece. Não que Nicolas Prattes não dê conta do recado, pelo contrário, mas realmente é difícil simpatizar com um assassino. Porém, o jovem ator consegue entender, talvez mais do que todos, a complexidade da mente do estudante de cinema. Retraído, com um semblante sempre cansado e sem esperança, Prattes não deixa seu "vilão" cair na apatia, risco alto para a excentricidade de personas como Davi. O que se percebe é uma referência direta a Norman Bates e sua dualidade, uma hora tímido e simpático, noutra explosivo e violento. Ainda que, quando está prestes a cometer os assassinatos, Prattes exagere um pouco na dose na "cara de psicopata", com as sobrancelhas cerradas e o sorrisinho de canto (impossível não lembrar da última cena de Psicose, 1960).

Mais do que isso, Freitas também alia a história à decupagem de forma coesa na maior parte do tempo. A ideia que se passa ao focar tanto o rosto de Davi é que estamos assistindo a tudo sob a perspectiva do protagonista. Ou seja, com o público sujeito a várias interpretações que parecem vir da mente do assassino. Por isso não é de se estranhar que, à medida que o longa avança, sujam mais perguntas do que respostas sobre os motivos reais para tantas mortes. Ainda mais quando as vítimas começam a "ressurgir" de outra forma no dia a dia de Davi. Esta confusão de informações causa estranhamento e até repulsa lá pelas tantas, mas ao mesmo tempo deixa quem assiste vidrado nos acontecimentos, querendo entender como funciona um cérebro tão doentio. Se a relação com Jônatas deixa um clima de homoerotismo no ar, sem, no entanto, nunca chegar às vias de fato, muito pode ser dito sobre esta narração quase que em primeira pessoa. É como a eterna pergunta a respeito de Dom Casmurro: afinal, Capitu traiu ou não traiu? Nunca saberemos porque a obra literária de Machado de Assis é contada sob a ótica de Bentinho. Aqui, o mesmo se passa, dadas as devidas proporções.

Com um material tão poderoso em mãos, Freitas poderia se resignar e analisar apenas o comportamento assassino do protagonista. Mas o diretor vai além. Ao colocar em evidências as câmeras, redes sociais e o compartilhamento de imagens violentas, o cineasta cutuca o vespeiro do voyeurismo e do exibicionismo nesta época de pós-verdade, em que as fake news se sobrepõem sobre a realidade nua e crua. O diálogo final de Davi com uma inspetora põe esta questão ainda mais à prova, já que nem tudo que parece ser, realmente assim o é. Pode parecer confuso, mas é a intenção. O Segredo de Davi pode até ser explicado ao final do filme (de forma pouco expositiva, ainda bem), porém, mostra que as respostas são mais complexas do que se imaginava. E que bom saber que existe um longa tão interessante nesta bela safra atual de produções nacionais de terror e suspense.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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