Crítica
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Sinopse
Em O Segundo Ato, quatro atores se encontram na filmagem de uma obra realizada 100% com inteligência artificial. De cara há o embate entre tradição e futuro. Aos poucos, torna-se difícil distinguir a ficção da realidade. A chegada de um figurante deixará o ambiente ainda mais tenso. Exibido na abertura do Festival de Cannes 2024.
Crítica
Quentin Dupieux é um inquieto. Um enfant terrible do cinema francês contemporâneo, talvez não com o alcance de um Xavier Dolan (que é canadense, aliás), mas certamente com a mesma pretensão compartilhada por nomes como Jean-Luc Godard ou Alain Resnais décadas atrás. Seus filmes podem não ser recebidos de braços abertos pela maioria, mas dificilmente passam desapercebidos. Ao mesmo tempo, são vistos com entusiasmo por um grupo diminuto, mas que aos poucos vai se expandindo. Ao ponto deste O Segundo Ato ter sido selecionado para a prestigiosa sessão de abertura do Festival de Cannes, na edição de 2024. E se a proposta era provocar, isso é alcançado com êxito. Pois o que se tem é o filme dentro do filme, e se olhar com cuidado, irá perceber que este também está inserido em um outro produto, de forma consecutiva e, talvez, infinita. Consequentemente, o próprio discurso se compartilha e fragiliza. Afinal, ao se dividir de maneira ininterrupta, a força da mensagem original se mantém? Ou se dissipa, caindo na irrelevância e no esquecimento?
Florence gosta de David. Ele, no entanto, não sente o mesmo por ela, mas a respeita e vê nela uma garota legal. Por isso, pensou em apresentá-la a Willy, seu melhor amigo, apostando em um entendimento entre os dois e um possível escape por parte dele. Só que nesse encontro, ela não está sozinha. Empolgada com o que acredita ser o relacionamento com o “homem dos seus sonhos”, Florence levou o pai, Guillaume. Esse não sabe bem o que esperar daquela reunião, mas uma coisa é certa: a antipatia por Willy foi imediata. Os quatro estão sentados, lado a lado, frente a frente, ao redor de uma mesma mesa. E no restaurante, Stéphane se prepara para servi-los. O homem está mais nervoso que Florence, iludida pela possibilidade do casamento perfeito. Mais inseguro que David, tenso por ter concebido um plano repleto de fragilidades. Com mais dúvidas que Willy, que não sabe o que esperar dos desconhecidos que acaba de conhecer. E com mais reticências que Guillaume, cujo foco está na manutenção do próprio status quo, seja esse relevante ou não.
Florence e David são amigos, felizes pela oportunidade de trabalharem juntos. Ele se percebe realizado por também estar ao lado de Willy, com quem há muito tem convivido e partilhado uma duradoura amizade. Mas os três não estão sozinhos, e a eles se une Guillaume, mais velho e com manias que o deixam ainda mais afastado do trio. Para piorar, não se sente confortável atuando ao lado de Florence, a relação com David parece ser não mais do que protocolar, e entre ele e Willy a antipatia se estabelece de imediato, a ponto de partirem para a agressão física quando confrontados em suas diferenças. O clima tenso fica pior com a chegada de Stéphane, incapaz de servir uma mera taça de vinho, derrubando a bebida por todos os lados e deixando aquela situação entre o ridículo e o constrangedor.
Florence não tem quem nela confie. Sem o apoio dos pais e tendo que enfrentar a descrença da filha, pergunta a si mesma até quando seguirá insistindo naquela história de ser atriz. David, por sua vez, quer se ver livre do compromisso assumido há tanto tempo e partir em busca de algo melhor, de novos desafios na carreira, com a esperança de que uma dia, enfim, será reconhecido. Guillaume e Willy preferem admirar juntos o pôr do sol, tão distante no horizonte como próximo de suas realizações. O casal tem os próprios ajustes a serem feitos, mas nada que não possam superar juntos. Ao contrário de Stéphane, que se sente cada vez mais sozinho. Sem ter com quem dividir suas inseguranças, percebe que a ele cabe um único desfecho. Um fim do qual não consegue escapar e que se mostra cada vez mais inevitável.
Cada uma destas histórias se faz presente em O Segundo Ato como camadas de um mesmo bolo que vão sendo sobrepostas umas sobre as outras. A brincadeira proposta por Dupieux – não só diretor, mas também roteirista – desperta curiosidade de início, mas é um interesse que aos poucos vai cansando, tanto pela reiteração, como pela finalidade que se encerra em si mesma, sem ousar muito além. Louis Garrel (David) e Léa Seydoux (Florence) confirmam personas que os mais atentos irão reconhecer com facilidade, enquanto Raphaël Quenard (Willy) retoma com o cineasta uma parceria que vem desde Mandíbulas (2020). E se Manuel Guillot (Stéphane) mergulha com efeito no tipo mais profundo do conjunto, a surpresa está em Vincent Lindon (Guillaume), que consegue manejar extremos em um jogo de personalidades complexas. Tivesse o cineasta se restringido a essa dinâmica, é provável que o resultado entregasse mais do que promete. Ainda assim, a inquietação que move o conjunto é válida, e se não chega a percorrer grandes caminhos, ao menos abre portas para reflexões que, por si, podem cumprir esse trajeto.
Filme visto durante o 15o Festival Varilux de Cinema Francês, em novembro de 2024
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