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Sinopse

Após a queda de um avião em alto mar, um grupo de cadetes militares americanos se vê isolado em uma ilha deserta. Percebendo que as chances de resgate são mínimas, os jovens se aproximam pelo medo e desespero. Mas à medida que vão tomando conta da paradisíaca ilha, a competição e a disputa pelo poder começam a dividi-los em dois grupos.

Crítica

William Golding, além de novelista, foi um combatente naval britânico durante a Segunda Guerra Mundial. Durante esse período, ele teve a chance de presenciar diversos dos horrores. Filho de uma geração traumatizada por eventos como este, o escritor não tardou a publicar sua obra máxima, e em 1954 lançava O Senhor das Moscas. Um contraponto à teoria do iluminista Jean-Jacques Rousseau, que pregava que o indivíduo, para ser completamente pacífico, sábio e possuir livre arbítrio, deveria crescer na natureza, livre das regras da sociedade, para fins de ele mesmo fundar uma nova e melhor. Golding tenta através de seu texto exorcizar os traumas de toda uma população ao colocar um grupo de crianças presas em uma ilha sem a supervisão de adultos, quando então passam rapidamente a cometer naturalmente os mesmos erros que líderes militares e políticos, dotados de instrução e conhecimento, cometeram ao longo das décadas de 1930 e 1940 na Europa. A referência evidente é ao período em que se instalaram diversos governos totalitários no velho continente, culminando no já citado confronto bélico.

Com seu livro, Golding queria dizer que o poder de fazer o mal é intrínseco ao ser humano. De fato, nem mesmo o protagonista, Ralph, é tratado como uma criança de bom senso. Na verdade, ele possui tanto potencial para se tornar um ditador quanto o seu amigo Jack, o que acaba acontecendo depois. A mensagem do autor é simples: é a escolha individual pelo certo que nos distancia do malfeitor a quem tememos. Isso tudo para esclarecer que esta adaptação dirigida por Harry Hook peca justamente por entender esta mensagem e duvidar que seu público seja capaz do mesmo, simplificando-a a ponto de deixá-la tola e pueril. E sem espaço para reflexões, essa versão da história de Golding – que em texto levanta tantos debates de suma importância e até hoje relevantes – apesar de sobreviver graças a ideia original – que tratada de forma rasa ou não, ainda é brilhante – acaba, sem querer, tomando o caminho oposto do material de origem e não discutindo coisa alguma.

Sobreviventes da queda de um avião que tentava tirá-las de uma zona de guerra, um grupo de crianças encontra-se agora isolado em uma ilha. Não demoram até elegerem por voto um líder e uma força tarefa para trazer-lhes segurança e comida, assim como outro grupo para construir abrigos e coletar comida. No comando está Ralph (Balthazar Getty), sempre aconselhado pelo pária Porquinho (Danuel Pipoly), que por sua vez é perseguido moralmente por Jack (Chris Furrh). Este, chefe dos caçadores, não tarda a perceber a força bruta que tem sob sua liderança e funda sua própria tribo, depondo o amigo Ralph. Por um tempo, as duas ideologias convivem cordialmente na ilha, mas logo Jack percebe que não tem que pedir e esperar pela boa vontade de outros para conseguir o que quer.

O roteirista Jay Presson Allen, porém, transforma Ralph em uma figura bondosa e de decisões amigáveis desde o início, e como se isso fosse difícil de compreender, inventa um braço quebrado para o personagem apenas em função de fragilizá-lo ainda mais diante de Jack. Este, por sua vez, sob o olhar ingênuo de Allen e Hook, é o típico bullie exagerado, e não o menino que se revolta ao perceber que o amigo nega a se entregar às liberdades selvagens que o ambiente lhes proporciona. Apenas Porquinho é tratado de forma razoável e crível. Seu personagem é frágil na medida certa – em parte graças a boa interpretação de Pipoly – e, por isso mesmo, sua insuspeita sabedoria soa tão forte, ainda que o roteiro jamais esqueça que se trata de uma criança e faça uma bela inserção (inédita no livro) de um diálogo entre ele e Ralph sobre bailarinos russos que sequestram crianças. Este é, de longe, o momento mais profundo e humano do longa-metragem.

É injusto comparar uma obra literária com sua adaptação cinematográfica – embora exista a típica falácia de que o livro é sempre melhor do que o filme, o que não é verdade – já que um projeto audiovisual deve sustentar-se por si mesmo e não ser dependente de outras mídias para se fazer entender. Por esta razão que esta versão de O Senhor das Moscas acaba funcionando como tal e ao mesmo tempo não; por um lado, alguém completamente alheio a obra de Golding poderia facilmente entender (e tão logo esquecer) o longa em questão; por outro, esta compreensão é rasa e depende muito do livro para ser melhor aproveitada. Basta, em resumo, saber o objetivo do espectador: ver um monte de crianças se matando ou descobrir o que as levou a isso?

Com uma trilha exagerada e uma produção até mesmo admirável, Hook também desperdiça o elemento do “monstro da ilha” ao, primeiro, tornar sua identidade óbvia desde o começo (mais uma vez, duvidando da inteligência do espectador), e segundo, ao usá-lo somente para criar uma cena visualmente impactante, mas que pela falta de preparação prévia, torna-se efêmera. Assim como, é importante ressaltar, todo o resto do projeto. Ao menos o desfecho mantém-se intacto, preservando o estudo do autor e sua teoria sobre o estado natural do homem ser o de guerra; trazidos até a ilha por ela, onde eles mesmos começaram uma, é apropriado que seja uma força militar a retirar as crianças de lá. É um filme arrítmico, que teme não estar se fazendo entender – as sequências que envolvem pesadelos de Ralph são terrivelmente óbvias – mas que apresenta de uma forma ou de outra uma história interessante e ao menos um personagem cativante. Antes Harry Hook tivesse tido a sabedoria de Porquinho, e não sua covardia.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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