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Sinopse

Num momento em que o Brasil passava por uma série crise econômica, o maranhense Raimundo Nonato decidiu punir o presidente da república por sua vulnerabilidade social. Para tanto, decidiu sequestrar um voo nos anos 1980 e fazê-lo colidir com o Palácio do Planalto.

Crítica

O primeiro aspecto de O Sequestro do Voo 375 a ser destacado é o fato de o Brasil não ser necessariamente um celeiro de produções cinematográficas sobre sequestros aéreos. Muito comuns nos Estados Unidos, esses filmes são raríssimos (até então inéditos?) no nosso país, o que confere curiosidade especial a essa história baseada em fatos. E ela se passa em 1988, num ambiente político-social-econômico conturbado, com o país saindo dos 21 anos de desgoverno da ditadura civil-militar. O panorama é de grave crise com inflação chegando a 17% ao mês e um vice-presidente assumindo a cadeira máxima do Executivo depois da morte do homem eleito pelos congressistas, um dos principais passos da redemocratização. O protagonista é o piloto Fernando Murilo (Danilo Grangheia), reintegrado depois de protestar contra a empresa pelas horas abusivas de trabalho aéreo. Partindo do aeroporto mineiro de Confins rumo ao Rio de Janeiro numa viagem curta e rotineira, ele tem colocada uma arma em sua cabeça depois do anúncio agressivo do sequestro da aeronave. Raimundo Nonato (Jorge Paz) é um tratorista desempregado e desesperado que pretende arremessar o Boeing 737-300 no Palácio do Planalto e acabar com a vida do presidente empossado José Sarney. Como de costume nesse tipo de trama, a história se desenrola paralelamente entre o interior do avião e vários esforços em terra.

O cineasta Marcus Baldini investe na apresentação do contexto político, o que confere substância às ações e aos personagens. Uma vez que a fúria de Nonato é encarada como resposta extrema à miserabilidade, até podemos torcer para ele se dar mal, mas também somos convidados a ponderar sobre os limites de alguém em estágios terminais de desespero. Lidando bem com a restrição espacial ao longo de boa parte de O Sequestro do Voo 375, o realizador conduz habilmente a tensão que passa da cabine, onde os comandantes respondem ao sequestrador, passando pela tripulação e chegando aos controladores de voo. Baldini sustenta de modo eficiente a corrente de ansiedade que provoca o suspense. Outro ponto positivo é a observação das picuinhas entre as forças civis e militares encarregadas de lidar com o assunto em terra. Embora Baldini pudesse dar ainda mais importância a esses pequenos curtos-circuitos, ao menos eles são sintomáticos durante as divergências de como agir para amenizar os efeitos da possível tragédia. Enquanto os militares são pragmáticos, por exemplo, ao posicionar um caça para abater o voo comercial se ele se aproximar perigosamente de Brasília, os civis demonstram muito mais preocupação com as vidas humanas em risco. Um dos milicos de alta patente chega a falar “sua democracia” para o ministro civil, assim escancarando um ressentimento pela redemocratização.

Em vários momentos, O Sequestro do Voo 375 ameaça se transformar num filme abertamente político. Oportunidades para isso não faltam. No entanto, precisando equilibrar diversos pratos, Baldini opta pelo suspense na definição do tom que prevalece nas cenas, assim deixando a imensa crise dos bastidores como bem-vindo pano de fundo. Se, por um lado, ele conduz bem a dúvida do que acontecerá a seguir, assim mantendo a incerteza como motor narrativo potente, por outro lado, acaba gradativamente deixando o contexto sociopolítico/econômico um tanto descoberto. Além disso, o cineasta não investe na óbvia associação entre Nonato e Murilo, não apenas pelo fato de ambos terem nomes compostos. O sequestrador é um trabalhador exasperado pela crise que ameaça sua sobrevivência, enquanto o piloto é um homem que recentemente sofreu na pele as consequências de reivindicar um pouco de justiça social. Olhando por esse prisma, eles estão antagônicos, mas, dentro da coletividade, são mais próximos do que poderiam imaginar. Ainda sobre isso, Baldini também não elabora a simetria entre Nonato e o membro da tripulação assassinado – ambos são negros e têm uma filhinha. Caso o cineasta apertasse melhor tais parafusos, por assim dizer, a fuselagem do filme seria ainda mais resistente a turbulências, entre elas as geradas pelos efeitos visuais de qualidade discutível.

De toda forma, O Sequestro do Voo 375 é o que chamamos no jargão cinematográfico de tour de force, ou seja, algo que precisa de grandes esforços (e habilidades) para acontecer. Buscando referenciais nas produções norte-americanas do filão, por falta de parâmetros na cinematografia brasileira, Marcus Baldini consegue fazer um filme de tensão persistente que às vezes toca de modo suficientemente interessante no panorama político de um Brasil tensionado em vários segmentos. E a trama ainda conta com o ótimo design de produção assinado por Rafael Ronconi, aspecto que atribui veracidade à reconstrução da época – dos figurinos à configuração interna da aeronave da extinta companhia VASP, tudo é muito bem cuidado. A respeito do elenco, o principal destaque é Danilo Grangheia, o intérprete do piloto cuja atuação é preponderante para a tragédia não ser ainda maior. No primeiro papel com destaque satisfatório para mostrar o seu talento, o ator se sai muito bem como o capitão que não abandona o “barco”. Pena que Baldini não invista apropriadamente em coisas que poderiam fazer o filme ser ainda melhor, como a angústia de encabeçar essa situação sentado ao lado do cadáver do amigo – como a câmera dá as costas ao defunto, nos esquecemos de sua presença. Enfim, entre mortos e feridos, podemos dizer agora que temos um filme de sequestro aéreo para chamar de nosso. Bem bom, por sinal.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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