Crítica
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Sinopse
Em O Serviço de Entregas da Kiki, no ano em que deve se tornar independente, uma jovem bruxinha tem dificuldades para se encaixar na sua nova comunidade. Para tentar se sustentar, ela cria um simpático serviço de entregas aéreas. Dirigido por Hayao Miyazaki.
Crítica
Pouco mais de um ano após o lançamento de Meu Amigo Totoro (1988), que viria a se tornar o trabalho mais icônico do Studio Ghibli, e provavelmente a grande obra-prima de seu criador, Hayao Miyazaki, chegava aos cinemas japoneses O Serviço de Entregas da Kiki, uma obra que talvez não tenha atingido o status cult do já citado Totoro, ou de outros longas posteriores do estúdio de animação, mas que possui todas as qualidades que se esperam de uma criação de Miyazaki. A premissa da trama é bem simples: a jovem bruxa Kiki acaba de completar 13 anos e, como manda a tradição, ao atingir essa idade ela deve sair da casa dos pais e procurar uma cidade na qual não haja nenhuma outra bruxa. Lá Kiki deverá morar sozinha por um ano e realizar uma espécie de treinamento para desenvolver seus poderes mágicos.
Partindo na companhia de seu gato preto, Jiji, a pequena feiticeira acaba encontrando uma bela cidade à beira mar onde, com a ajuda da simpática dona de uma padaria local, cria um serviço de entregas rápidas, utilizando sua vassoura voadora para realizar o trabalho. É neste cenário que Miyazaki constrói um delicado conto de amadurecimento, tratando das descobertas típicas da adolescência, como as verdadeiras amizades, a primeira paixão, as crises de identidade e a conquista da independência. Tudo isso é narrado com a maestria costumaz do cineasta, que encontra o equilíbrio perfeito entre o humor e o drama, desenvolvendo todos os seus temas com uma leveza encantadora.
Apesar de ter uma bruxa como personagem principal, Miyazaki explora a fantasia de maneira mais contida do que em outros de seus filmes, como A Viagem de Chihiro (2001), por exemplo. A magia é um elemento obviamente presente na história, mas em termos visuais o longa adota um tom mais realista, que foge ao onirismo que se poderia esperar. Isso, é claro, não impede que Miyazaki crie cenas de puro deslumbramento visual, como quando Kiki se depara pela primeira vez com a beleza do mar ou com a grandiosidade da nova cidade que escolheu para morar. Momentos em que o espectador compartilha do fascínio sentido pela protagonista. Assim, o cineasta apresenta um universo de conjunção entre real e fantástico, onde as bruxas caminham com naturalidade entre as pessoas comuns e não representam uma ameaça.
No âmbito da ação, Miyazaki também brinda o público com grandes sequências, como a de Kiki e Tombo na bicicleta com a hélice, e toda a cena final envolvendo um dirigível. A paixão do cineasta pelo espaço aéreo se faz presente não só nestes momentos específicos, como em todo o longa, assim como no resto de sua obra – Laputa: O Castelo no Céu (1986), Porco Rosso: O Último Herói Romântico (1992) e atingindo seu ponto máximo no recente Vidas ao Vento (2013) - e tem um papel narrativo importante. Outra característica, e uma das grandes qualidades do trabalho Miyazaki também surge com força em O Serviço de Entregas da Kiki: os marcantes personagens coadjuvantes. Além do casal de padeiros que acolhe Kiki, há ainda uma vasta gama de figuras cativantes, como a velha senhora, cliente de Kiki, e sua governanta, o homem que cuida do relógio da torre e a jovem pintora que vive em uma cabana na floresta.
Esta última personagem tem uma função fundamental, auxiliando a protagonista no momento de maior conflito de sua trajetória, quando a insegurança e a solidão fazem-na perder parte de seus poderes. Através da garota, Miyazaki também aproveita para falar sobre os dilemas de um artista, como bloqueios criativos, e seu papel quase mágico como criador. Não podemos nos esquecer das figuras de Jiji e Tombo, que além da função de alívios cômicos também simbolizam a amizade e, no caso do segundo, a paixão – ainda que de forma singela e bastante inocente – na vida de Kiki. E é do convívio com todos estes personagens que Miyazaki extrai as lições necessárias para que sua protagonista possa, de fato, amadurecer.
Completando a obra com uma animação sempre esmerada, capaz de criar uma cidade sem definição geográfica – inspirada em metrópoles europeias, como Estocolmo, Paris, Lisboa e Milão – ou temporal, mas extremamente rica em detalhes, além da impecável trilha sonora de Joe Hisaishi, Miyazaki entrega mais um trabalho brilhante, em que até mesmo o seu final aparentemente abrupto não chega a comprometer o conjunto, graças às cenas que o sucedem durante os créditos de encerramento.
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