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Sinopse

O jovem padre Daniel acaba de se especializar em exorcismos. Agora ele vai trabalhar com um dos homens mais experientes nesta área: padre Peter, traumatizado por uma possessão demoníaca durante a juventude. Juntos, eles devem desvendar o caso de um garotinho que assassinou os pais devido a uma influência maligna.

Crítica

O imaginário de filmes de exorcismo está marcado por algumas passagens claras: a criatura indefesa debatendo-se na cama, emitindo a voz grossa do demônio enquanto padres corajosos mostram o crucifixo como quem aponta uma arma, gritando palavras de ordem para que o espírito maligno deixe a pobre criança em nome de Deus. A simples imagens de religiosos segurando um terço no cartaz escuro sugere ao espectador uma história pronta. A estrutura destas narrativas se desgastou pela ambição reduzida dos produtores, resultando em dezenas de obras genéricas e semelhantes entre si. Neste sentido, O Sétimo Dia (2021) surpreende ao trazer poucas, porém importantes mudanças à fórmula. Em primeiro lugar, o diretor e roteirista Justin P. Lange deixa as manifestações demoníacas em segundo plano, favorecendo a relação entre dois padres: o veterano Peter (Guy Pearce), especialista em possessões, e o novato Daniel (Vadhir Derbez), escolhido para assisti-lo nos próximos casos. Não existem motivos reais para que trabalhem juntos – Peter estava muito bem sozinho -, no entanto o roteiro efetua esta concessão por extrair seus principais conflitos da relação entre a dupla. O duelo principal ocorre entre homens, ao invés do embate com uma figura sobrenatural.

Além disso, somem as figuras de pobres garotinhas tomadas por espíritos – aqui, apenas os meninos se tornam alvo das forças malignas, rompendo com o machismo da apropriação masculina sobre corpos femininos e virginais. Melhor ainda é perceber os protagonistas buscando deliberadamente pelo mal. Durante o treinamento entre mestre e pupilo, testa-se a capacidade do jovem em reconhecer o inimigo nas pessoas em situação de rua. Os homens abandonam a batina, falam palavrões, e buscam o adversário para enfrentá-lo, a título de esporte. “Estamos no ar que você respira. Nós nos espalhamos como fogo”, avisam os antagonistas, tão eloquentes quanto inovadores na estratégia de disseminação. Na maioria dos filmes do gênero, os inimigos buscam somente se apoderar de um corpo. Aqui, possuem pretensões, digamos, políticas de se reunirem e se espalharem pelo mundo. Há práticas de exorcismo sem crucifixo, sem Bíblia nem água benta, apenas o confronto num beco sujo, transformando heróis e demônios em participantes de uma briga de rua. Ao visitarem casas marcadas por histórico de possessão, os protagonistas recebem visões dos fatos passados no local. Existe um esforço evidente em se afastar do universo da casa de classe média, e da confabulação entre homens corajosos na Igreja.

Em especial, O Sétimo Dia se dedica a retirar dos religiosos o heroísmo, algo notável em tramas de exorcismo. O roteiro inclui uma cena discreta, mas marcante, de associação entre padres e a pedofilia (“Você sabe que é muito importante para mim, não é?”, pergunta um religioso idoso, acariciando as pernas de um garotinho). Em seguida, sugere-se associações paralelas e ilegais formadas por representantes do catolicismo. As práticas caem na marginalidade, caso em que os protagonistas perdem a disputa – vide a potente cena de uma criança em chamas diante de um grupo de adultos impotentes. O cineasta concebe a possibilidade de vitória do mal. Em paralelo, exige dos atores mirins um esforço de atuação superior àquele de qualquer horror habitual. No papel de Charlie, Brady Jenness precisa executar sequências de uma variedade emocional e controle cênico excepcionais para uma criança, o que cumpre bem na maioria dos casos. Mesmo a caracterização de vítima indefesa atribuída aos pequenos se perde neste terror malicioso – as crianças, quem diria, podem demonstrar consciência de seu estado de possessão e exercer controle sobre a força dentro de si.

Lange também possui ambições estéticas marcantes. O ataque de Charlie dentro da delegacia, filmado através do cômodo ao lado com as luzes piscando, proporciona um balé sangrento e marcante em termos de composição de quadro. A ideia de que a manifestação dos espíritos precise ser filmada por telefones celulares questiona o conceito da prova pela imagem: que validade possuem os registros caseiros na época em que cada pessoa possui seu smartphone, e consegue fazer manipulações no material captado? Evoluímos bastante desde o exibicionismo dos fantasmas de Atividade Paranormal (2007), que apareciam apenas diante das câmeras. Infelizmente, para cada cena bem executada, há tantas outras atrapalhadas – vide as manifestações do poder de Helen (Robin Bartlett) e as duas cenas em que pessoas levitam ou são jogadas pelos ares. Neste instante, o baixíssimo orçamento se faz presente, despertando mais constrangimento do que medo. O diretor nem sempre consegue viabilizar suas propostas, a exemplo da morte por crucifixo enfiado no pescoço (prejudicada pela montagem acelerada) e da luta na cozinha (quando o dinamismo se perde). Ele deseja subverter os cansativos clichês deste tipo de cinema, sendo freado por restrições de produção e de seu domínio de mise en scène. As passagens atrapalhadas poderiam ser facilmente contornadas por sugestões sonoras ou fora de campo.

O desequilíbrio se estende ao elenco. Guy Pearce é um ator experiente, divertindo-se com o personagem atravessado por reviravoltas inesperadas. Ele compõe um padre ambíguo, de fala agressiva e gestos malandros, oferecendo uma versão gangsta da religiosidade. O veterano sabe variar o tom da voz entre a autoridade e a intimidação, além de brincar com os olhos escurecidos (por maquiagem?) para navegar entre a benevolência e a ameaça. Infelizmente, o jovem Vadhir Derbez permanece na nota única de surpresa e ingenuidade, da primeira à última cena. O mexicano precisaria elevar consideravelmente o jogo para estar à altura de Pearce e proporcionar o duelo desejado pelo diretor. O Sétimo Dia se conclui com revelações ousadas, convertendo-se no filme de origem de um herói. É improvável que a modesta obra se desenvolva numa franquia, porém Lange planta sementes para continuar esta história através de caminhos bastante diferentes. Uma vez mais, dá um passo maior do que as pernas do projeto poderiam comportar, sobretudo após um processo de exorcismo tão simples. Entretanto, o gesto do cineasta desperta atenção pela recusa em repetir os clichês esperados, acreditando que o subgênero pode ir além das produções cansadas que saturam os serviços de streaming. A execução fica aquém das intenções, mas revela um autor de potencial.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Bruno Carmelo
6
Leonardo Ribeiro
3
MÉDIA
4.5

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