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Crítica


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Sinopse

Um detetive volta à ativa para investigar dois assassinatos que imitam crimes supostamente cometidos por um homem que está prestes a sair da prisão.

Crítica

Este suspense espanhol demonstra talento notável para criar conflitos. No centro da trama se encontra uma série de crimes orquestrados de acordo com o mesmo modus operandi: duplas de jovens de mesma idade são encontradas mortas, com as mãos dadas, nuas porém enfeitadas com flores, contendo abelhas dentro das vias respiratórias. No entanto, o suposto assassino encontra-se preso numa cela há vinte anos. Ele estaria instruindo outra pessoa a continuar com as mortes em seu nome? O assassino seria outra pessoa, este tempo todo? Em paralelo, o principal investigador do caso, Unai (Javier Rey), possui segredos sobre seu passado e seu apelido de infância. A colega encarregada pelo caso, Alba (Belén Rueda) também esconde fatos sobre sua vida amorosa. O irmão gêmeo do suposto assassino oculta informações preciosas, ao passo que inscrições nas paredes de igrejas e fotografias familiares lançam dúvidas ao espectador. Afinal, quem são essas pessoas, e de que maneira estão envolvidas no caso?

No entanto, O Silêncio da Cidade Branca (2019) demonstra menor aptidão na hora de resolver tantos conflitos. Habitualmente, os suspenses conduzem o espectador através de uma investigação frenética, repleta de falsos passos e descobertas preciosas que conduzem à verdade, à medida em que intensificam o perigo. O filme dirigido por Daniel Calparsoro opta por um caminho diferente: depois de sustentar diversas indagações durante boa parte da trama, o roteiro fornece a resposta ao espectador, abruptamente. O verdadeiro criminoso levanta a máscara e revela o rosto – dali para frente, sempre veremos o culpado executando os atos. Num corte simples da montagem, voltamos ao passado para descobrir o que aconteceu na vida de Unai e Alba, produzindo as cicatrizes emocionais de cada um deles. Irmãos, pais, padres e outros coadjuvantes aparecem quando a narrativa precisa de novas vozes para darem explicações aos heróis. O filme poderia fazer com que o espectador descobrisse a verdade junto do detetive, como de costume nas regras do gênero. No entanto, prefere revelar todas as peças ao espectador em primeira mão, privilegiando o medo quanto ao encontro das peças: quando Unai finalmente descobrirá a pessoa responsável pelos crimes?

Adota-se portanto um olhar onisciente, externo à narrativa, em oposição ao ponto de vista subjetivo do investigador traumatizado. Ao mesmo tempo, este universo fictício é criado exclusivamente para Unai: ele está envolvido diretamente em todas as mortes, e também na solução delas. Todas as garotas demonstram algum tipo de atração sexual por ele, enquanto os homens manifestam um instinto de competição. Durante boa parte da narrativa, a pessoa realmente buscada pela opinião pública é ele, devido ao codinome Kraken, ao invés do “assassino do sono”. “Eu escolhi você”, declara o homem preso, mistura de Hannibal Lecter com Robert Langdon. Um romance surge abruptamente para o protagonista, sem qualquer construção prévia. Durante meia dúzia de cenas de cooper à noite, as ruas da cidade estão convenientemente vazias, sem passantes, carros nem ruídos. Na porta de casa, Unai encontra cartas com fotografias dele. Talvez o aspecto mais artificial da narrativa se encontre no fetiche do “escolhido”: o investigador não é apenas mais um profissional fazendo uma busca policial, como tantos outros ao seu lado. Pelo contrário, os crimes existem por causa dele, e para ele. Por isso, o jovem adota as características do herói clássico: forte, destemido, dotado de valores morais irretocáveis, heterossexual, sedutor.

Em paralelo, Calparsoro adota uma estética repleta de enfeites, filtros e manipulações em pós-produção. As imagens são saturadas em excesso, muitas delas com bordas desfocadas e escurecidas, enquanto as paisagens adquirem a aparência de oásis paradisíaco. A direção de fotografia opta por flares com luzes borradas, enquanto as diversas cenas de perseguição servem a ressaltar o “valor de produção”, ou seja, a amplitude dos cenários, a excepcionalidade das locações, o movimento das câmeras, os figurinos, os efeitos visuais etc. As intervenções na imagem e o prazer do crime-espetáculo produzem certo efeito de fantasia, algo muito menos cru e violento do que a média das produções sobre crimes sangrentos. Mesmo a disposição dos cadáveres carrega uma aura de ensaio fotográfico sensual, com a maquiagem exagerada para simular a putrefação. O diretor sobrepõe recursos para disfarçar a linguagem bastante acadêmica, com os tradicionais planos e contraplanos, meia dúzia de pans e tilts em vielas do país Basco, establishing shots das fachadas de prédios e casas para mostrar exatamente onde cada personagem se encontra, e para onde vai. Busca-se uma estética ornada, mas não necessariamente inteligente, nem provocadora.

O Silêncio da Cidade Branca desenvolve-se como um suspense de ritmo ágil, apesar de tantas conveniências narrativas e furos provavelmente explicados de maneira mais eficaz pelo livro original. Ele poderia oferecer uma forma de tensão simples, porém honesta, caso o terço final não apostasse em soluções tão absurdas. No desfecho, quando vilões encontram seus algozes e as mocinhas correm perigo, uma sucessão de reviravoltas inverossímeis toma conta da narrativa, como se a velocidade quisesse ocultar a superficialidade das revelações. Em se tratando de uma narrativa sobre duplos – uma dupla de cadáveres, dois ricos homens gêmeos, um investigador e seu irmão, a colega investigadora e o irmão dela –, as imagens teriam diversas possibilidades de brincar com as identidades duplas, com os espelhos e as multiplicações. Calparsoro poderia ter se inspirado no pesadelo kitsch e caleidoscópico de O Amante Duplo (2017), de François Ozon, ou mesmo o clássico Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, mas prefere uma versão na qual as duplicidades não fornecem qualquer tipo de fricção particular às imagens, nem à narrativa. Talvez o resultado agrade fãs de suspense e do livro original pela manutenção da estrutura convencional, conduzindo o herói ao clímax de enfrentamento. No entanto, resta a impressão de forte potencial desperdiçado pela direção e pelo roteiro, avessos à complexidade psicológica dos personagens.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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