Crítica
Leitores
Sinopse
Após ser vítima de um estupro dentro de sua própria casa, Diana escolhe manter o trauma em segredo. Mario, seu marido, também tem algo a esconder. O silêncio que toma conta do casal ao longo dos dias se transforma, aos poucos, em uma peculiar forma de violência.
Crítica
Único longa-metragem a ser exibido na terceira noite do Festival de Cinema de Gramado, O Silêncio do Céu atraiu para si todos os olhares. Atenção certamente justificada pela importância do trio a encabeçar o projeto: Leonardo Sbaraglia, intérprete de el Nene, personagem central junto a Eduardo Noriega na composição do impactante argentino Plata Quemada (2000), exemplo modelar do cinema contemporâneo e considerado por muitos o melhor filme latino de todos os tempos; Carolina Dieckmann, atriz amplamente conhecida dos brasileiros pela televisão, assumindo agora papel radical no cinema; e o diretor Marco Dutra continuando uma das filmografias mais promissoras do país com seu terceiro trabalho de peso, após Trabalhar Cansa (2011) e Quando Eu Era Vivo (2014).
Sentimos de pronto que a adaptação para Era el Cielo, livro de Sergio Bizzio, não economizará em força. Na cena inicial, Diana (Dieckmann) será vítima de uma violência que moldará o filme narrativa e esteticamente. Construída com acerto, tendo cuidado em preservar a intensidade do momento sem transformá-lo em banalização do ato, o filme entrega a cena aos olhos de Mario (Sbaraglia), que presencia a invasão de sua casa e os maus-tratos à esposa Diana. Aturdido pela impotência diante da realidade, ele decide que é chegado o momento de mudar a sua postura. Mas para isso, primeiro precisará de uma vingança.
Juntos novamente depois de dois anos separados, Diana e Mario procuram dar certo por meio de uma opção comum entre os casais: o silêncio. Ao mesmo tempo em que ela não conta pelo que passou, ele espera que, cedo ou tarde, Diana, motivada pela confiança ou necessidade, revele a verdade sem imposição. Na esperança de andar unidos, ambos se imobilizam. Construído como drama psicológico de reinvenção, registro familiar à parte da literatura argentina, como Ricardo Piglia e Alan Pauls, O Silêncio do Céu trabalha com fervor na construção da ambientação. A fim de exteriorizar o clima de isolamento e terror vivido pelo casal, a direção de fotografia de Pedro Luque combina luz dura, que imprime de antemão um clima perturbador mas perde em textura e flexibilidade dramática, às locações precisas de Montevidéu. Conhecedor das peculiaridades visuais da cidade em que nasceu, Luque transforma as ruas da capital uruguaia em caminhos apreensivos e claustrofóbicos, munindo-se para isso de enquadramentos constantemente fechados e de pouco respiro.
Soldado da linha de frente dessa guerra interna, Mario nos revelará seus medos. As fobias tanto fazem parte do personagem que ele não se reconhece sem elas. É neste momento delicado da construção de suas características que observamos um filme que privilegia em excesso os elementos literários. Escrito por Lucía Puenzo, Caetano Gotardo e o autor do livro, o roteiro sofre com irregularidades de uma costura por vezes mais frouxa. Assim como uns elementos funcionam de maneira mais simbólica, como a imagem do cactos, outros se encaixam com dificuldade, como a excessiva narração de Mario em off confessando seus medos e fragilidades e mesmo a vulnerável transferência de narrador para a perspectiva de Diana.
Fundada sobre a mais pura intensidade, a arquitetura proposta pela direção de Dutra guia o espectador a um caminho no qual é impossível desviar do embate entre medo e coragem. Assim como Diana e Mario, é preciso optar. Contando com a atuação sólida de Dieckmann e o protagonismo de introspecção concebido com excelência por Sbaraglia, O Silêncio do Céu transmite um incômodo que acompanhará o espectador durante todo o filme - e talvez além.
Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)
- Banco Imobiliário - 4 de agosto de 2020
- Tropykaos - 30 de março de 2018
- Os Golfinhos Vão Para o Leste - 24 de novembro de 2017
Deixe um comentário