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Crítica


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6 votos 7.6

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Sinopse

Parecia ser um verão como qualquer outro. No entanto, seus acontecimentos acabam mudando tudo para um grupo de jovens amigos italianos. As histórias têm algo em comum: a coragem de arriscar e se deixar levar.

Crítica

Esta comédia romântica italiana se insere dentro do subgênero “filme de férias”, o que pode ser compreendido de maneira literal (os personagens estão de fato viajando e descansando), mas também enquanto parêntese da vida comum. Isso implica se afastar dos problemas de trabalho, dos conflitos da escola, das brigas em casa. Trata-se de um cinema escapista por definição, graças à possibilidade de afastar os personagens de suas origens e colocá-los numa situação onde apenas o presente importa. Afinal, dentro de algumas semanas, eles voltarão para suas cidades e não se verão mais. Isso se traduz na possibilidade de ser mais assertivo, mais impulsivo, mais romântico, mais ousado – em outras palavras, ser outro. O filme de férias traduz as belezas da cidade, mas também fornece uma forma de despojamento para os personagens que podem se concentrar nos prazeres imediatos, no caso, a possibilidade de amar ou ser amado. O Sol de Riccione (2020) apresenta uma dúzia de personagens, a maioria deles jovens, conhecendo amores de verão – entenda-se: tão intensos quanto passageiros, tão plausíveis quanto utópicos.

A dupla de diretores Niccolò Celaia e Antonio Usbergo, conhecida pelo codinome YouNuts, se preocupa em oferecer a cada personagem um amor ao longo de 100 minutos de narrativa. Eles acreditam que todos merecem um romance intenso, tanto os adolescentes populares quanto os rejeitados, tanto o garoto cego quanto o homem idoso e amargurado. O grupo é composto por estereótipos de fácil identificação para o espectador: o garoto nerd, o jovem musculoso e popular, a garota desejada e esnobe, a menina tímida cuja beleza ainda não foi descoberta, o amigo azarão menosprezado pelas meninas. O imaginário não está muito distante das configurações norte-americanas de panelinhas escolares, herdeiras de Porky’s (1981), American Pie (1999) e afins. Para os padrões brasileiros, novelas em estilo Malhação representam um universo próximo. No entanto, há diferenças dignas de nota em relação a estes exemplos. A primeira delas surge da ausência de hierarquias entre personagens: o moço musculoso e a menina escultural não se tornam protagonistas, nem os jovens desajeitados ou o garoto cego servem de coadjuvantes para lhes dar a réplica. A montagem paralela faz questão de salientar a mesma importância de todos. Não há um protagonista isolado ao longo da trama.

Além disso, a representação típica da adolescência no cinema pop contemporâneo tem sido marcada pela necessidade ostensiva de agradar: as paisagens se tornam paradisíacas, com luzes perfeitas e cores saturadas, enquanto as músicas descontraídas saturam a banda sonora, piadas ocupam o máximo de diálogos possível, a fotografia multiplica ângulos de imagem e a montagem acelera cortes. Trata-se de um cinema destinado ao público grudado em smartphones, que precisa ser entretido a cada minuto, caso contrário, perde o interesse, abandonando a sessão. Por isso as piadas se tornam agressivas, explícitas, assim como o teor turístico e os sonhos amorosos. Ora, diante deste contexto, O Sol de Riccione se revela surpreendentemente cândido na representação dos personagens. Por mais que constituam figuras de simples construção, eles jamais se prestam ao humor de objetos voando em direção a testículos, escatologia e amores perfeitos. A comicidade tampouco depende da depreciação de minorias ou do reforço de preconceitos para se sustentar. Há respeito pela sexualidade feminina dentro desta fábula curiosamente desprovida de drogas e sexo.

Isso não significa que os YouNuts promovem uma obra subversiva, longe disso. Os amores são exclusivamente heterossexuais, entre pessoas brancas dentro dos padrões de beleza. As passagens típicas dos rituais adolescentes estão todas presentes: o rapaz musculoso que de repente se descobre interessado pela nerd, a confusão de personalidades, quando uma pessoa acredita estar apaixonada por outra devido a um mal-entendido, os jovens que se empurram na piscina e depois enfrentam um momento de quase-beijo. Atividades aparentemente importantes (o torneio de vôlei, a concurso de música) são abandonadas quando a narrativa não precisa mais delas, e todos os personagens enfrentam uma crise ao mesmo tempo, para os conflitos se resolverem simultaneamente. A transição entre cenas ocorre por meio da trilha sonora genérica combinada com planos aéreos da praia. Os dozes jovens centrais se cruzam por acaso o tempo inteiro, como se a região de Riccione fosse composta apenas por eles – ou como se o acaso estivesse conspirando para reuni-los. Vale lembrar que os filmes de férias, assim como as comédias românticas de modo mais amplos são invariavelmente otimistas: o amor sempre vencerá apesar das dificuldades. O final feliz se torna uma promessa implícita ao espectador.

O Sol de Riccione se encerra com a mensagem de que o amor não envelhece: tanto pré-adolescentes quanto pessoas na casa dos 60 anos se tornam igualmente tolos quando apaixonados, e o amor pode ocorrer a qualquer um, a qualquer caminhada pela rua. O mundo das fantasias românticas constitui um universo de possibilidades infinitas. Ainda que seja previsível dentro do formato, impondo a si mesmo a obrigação da leveza (nenhum problema é tão grave que não possa ser resolvido na cena seguinte), ele atribui certa melancolia aos personagens, atenuando os exageros típicos do filme turístico e dos estereótipos adolescentes. Curiosamente, o jovem musculoso não é nada conquistador, o nerd se revela menos introspectivo do que esperado, a menina arrogante revela aspectos inesperados de sua personalidade. O universo tecnológico desempenha um papel discreto neste contexto, atenuando a obrigação de representar a juventude da era virtual. A montagem constrói um ritmo fluido, com transições plausíveis entre os diversos personagens e conflitos. O projeto ainda possui a confiança de abrir caminho para uma sequência que não deve tardar a chegar.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
6
Francisco Carbone
2
MÉDIA
4

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