Crítica
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Sinopse
Tentando acabar com o domínio nazista na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, dois oficiais da inteligência naval da Inglaterra utilizam um cadáver e vários documentos falsos para enganar os oficiais alemães.
Crítica
Colin Firth construiu uma carreira como o ‘anti-herói’, o tipo inadequado mas que, de um jeito ou de outro, acaba no lugar certo e na hora exata. De galã romântico (Bridget Jones?) à astro de ação (Kingsman?), suas duas indicações ao Oscar são bons exemplos do que consegue alcançar fazendo o mínimo: em Direito de Amar (2009) era um homossexual em luto que precisava esconder sua condição, enquanto que em O Discurso do Rei (2010) – papel que lhe valeu a estatueta dourada – surgia como um monarca disposto a esconder uma evidente gagueira. Não por acaso, portanto, parece ser uma escolha acertada para um tipo de filme no qual muito se fala, e pouco se faz. Como é o caso de O Soldado que Não Existiu, que segue a linha de outros títulos de sua filmografia (O Espião que Sabia Demais, 2011, Kursk: A Última Missão, 2018). Porém, se num primeiro momento, por tudo explicitado acima, ele parecia ser uma escolha apropriada para esse trabalho, não se pode deixar de perceber que o passar dos anos tem pesado em sua performance. E em um filme no qual reside na intensidade das atuações muito da sua força, a entrega apática que oferece é determinante para a frustração do projeto como um todo.
Complicando ainda mais a situação, ao seu lado está Matthew Macfadyen, outro intérprete de presença discreta. No drama de John Madden – cineasta que já viveu momentos auspiciosos, como em Shakespeare Apaixonado (1998), mas que nos últimos tempos tem se resignado a projetos genéricos (O Exótico Hotel Marigold 2, 2015) – os dois são os oficiais responsáveis por tocarem adiante um projeto arriscado, mas que, surpreendentemente, acabou dando certo: a Operação Carne Moída (o título original do longa). Por mais que o roteiro de Michelle Ashford (Masters of Sex, 2013-2016) se esforce em fazer da artimanha algo complicado, a ideia é bastante simples: na tentativa de enganar Hitler, no meio da Segunda Guerra Mundial, um plano de dissimulação é colocado em movimento com a intenção de enganar as forças nazistas quanto às reais intenções dos Aliados. E como isso foi feito surpreende pela objetividade: o corpo de um anônimo é despejado na costa espanhola, tendo em sua posse um documento supostamente secreto que revelaria a chegada de forças britânicas na Grécia (quando, na verdade, o destino seria a Sicília, na Itália).
Tudo o que Firth e Macfadyen tem pela frente, portanto, é levar adiante a construção de uma fábula. É preciso que esse estranho escolhido justamente pela sua irrelevância ganhe um nome e uma história, além de laços concretos que tornem sua jornada, caso investigada pelos alemães, crível. Madden, nesse ponto, recai em um simplismo evidente, agregando participações femininas ao contexto, como se apenas elas pudessem inserir um olhar sensível e emocional ao contexto. A leitura de uma carta de amor, que teria tudo para servir de ápice romântico, beira o constrangimento por essa segunda interpretação nunca ambicionada pela narrativa. A imposição de um caráter particular a um planejamento que discutia o futuro de nações se dá de modo tão ostensivo e pouco elaborado que até mesmo a formação de um improvisado triângulo amoroso entre os dois protagonistas e a personagem de Kelly Macdonald se dá de forma artificial e forçada, atendendo apenas a um anseio comercial e de pouca (ou nenhuma) contribuição ao enredo. O natural desfecho dado a cada um dos envolvidos reforça o quão irrelevante tal conjunção se mostrava desde o princípio.
Baseado no livro de Ben Macintyre, o desenrolar dos eventos de O Soldado que Não Existiu despreza o caráter mais interessante de todo esse episódio: a interferência de Ian Fleming no ocorrido. O autor do agente secreto inglês mais famoso de todos os tempos – James Bond – era, na época, um oficial do exército, e acompanhou de perto essa ação, participando mais como um mentor do que interferindo na prática do caso. Visto em cena na pele do cantor e poeta Johnny Flynn (que há pouco interpretou ninguém menos do que David Bowie na cinebiografia não-autorizada Stardust, 2020), o personagem tem envolvimento limitado, quase compondo o fundo do cenário, oferecendo um ou outro piscar de olhos, como se dirigido à audiência, para alertar que os elementos discutidos em cena são os mesmos que serviriam depois à sua criação mais famosa. Essa proximidade, ignorada por décadas, foi melhor desenvolvida na minissérie Fleming: O Homem que Queria ser Bond (2014), indicada ao Emmy. Aqui, porém, soa como uma nota de rodapé, que deverá ser captada apenas pelos olhares mais atentos.
Terceira versão dessa mesma trama, adaptada antes em um telefilme de mesmo nome em 2010 e no subestimado O Homem que Nunca Existiu (1956), filme que à época do seu lançamento chegou a ser selecionado para o Festival de Cannes e premiado no Bafta, mas do qual hoje em dia poucos se lembram, O Soldado que Não Existiu tenta a todo instante se apresentar como um thriller de guerra, mas de conflito bélico pouco oferece (há apenas uma passagem rápida já no seu término) e, de suspense, menos ainda, pois na maior parte do tempo sua dinâmica se dá durante os preparativos e menos no evento em si, muito comentado, mas pouco visto em sua execução. E o tom morno oferecido por figuras como os citados Colin Firth e Matthew Macfadyen pouco faz para elevar a adrenalina. Dito isso, é inegável que há aqui um evidente aspecto histórico a ser destacado. Nada, porém, que não pudesse ser acessado mediante uma rápida consulta na internet ou em livros de história. Eis, portanto, um filme-wikipedia, que luta para ressaltar seu aspecto enquanto curiosidade, ao mesmo tempo em que resvala em qualquer viés de entretenimento.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 4 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
MÉDIA | 5 |
Esta terceira versão é fraca e confusa. Eu gostei e lembro até hoje da primeira versão. O Homem que Nunca Existiu (1956), quando tinha uns 14 anos e me marcou até hoje. O desempenho que lembro até hoje foi de Clifton Webb.