Crítica
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Sinopse
Ao perceber que gradualmente está ficando surdo, um jovem baterista teme por seu futuro. Ele se desespera diante da possibilidade de perder suas duas grandes paixões: a música e a namorada, colega de banda heavy metal.
Crítica
Ruben tem uma rotina muito disciplinada. Apesar de ser músico, e por isso, geralmente trabalhar até tarde em apresentações em clubes e bares de diferentes cidades, está habituado a acordar cedo, com os primeiros raios de luz. Sai da cama, onde deixa Lou, sua companheira de vida e de banda, para fazer seus exercícios diários. Logo em seguida, prepara com cuidado um café da manhã completo para os dois, com vitaminas repletas de alimentos orgânicos, muitas frutas e cuidados que possam lhes garantir o resto do dia. Afinal, dificilmente sabem onde irão parar, uma vez que estão sempre na estrada, indo para onde são chamados, em busca de novas oportunidades e fãs que saibam curtir o heavy metal que tanto apreciam. Sua vida está nessas pequenas certezas, que evitam que saia dos trilhos – algo que já aconteceu, e sabe bem o preço que pagou por isso. Mas quando uma dessas etapas se perde – a sua audição começa a falhar – é como o desmoronar de um castelo de cartas. Ele não está habituado, afinal, com O Som do Silêncio. E se aproximar dessa nova realidade será uma experiência tão dolorosa quanto fascinante, independente de que lado da tela se esteja.
No filme escrito e dirigido por Darius Marder (seu primeiro trabalho ficcional, aliás), todas as atenções estão voltadas não tanto para o que acontece com Ruben, mas, acima de tudo, em como ele reage a essas mudanças. Para tanto, percebe-se a importância de ter contado com um ator como Riz Ahmed, capaz de um registro amplo, que vai do bom moço metido em apuros de The Night Of (2016) ao esperto motorista de O Abutre (2014) – dois dos seus trabalhos de maior repercussão. A concentração que demonstra em seus rituais matinais acaba sendo determinante para o processo pelo qual terá que se submeter a partir do momento em que uma inevitável surdez começa a se manifestar. Da resistência em aceitar a verdade ao conflito interno que desenvolve em busca de alternativas e soluções, até se chegar à aceitação e o aprendizado necessário para lidar com sua nova realidade, ele demonstra um grau de entrega e comprometimento com o personagem que serve para denunciar o mergulho em sua construção, um exemplo poderoso de criatividade.
O primeiro a fazer foi se dar conta de que esta era uma jornada que teria que fazer sozinho. Por mais contrário que fosse no início, chega o instante que percebe que terá que deixar Lou (Olivia Cooke, de Jogador N° 1, 2018), que acaba aceitando a contragosto. Ela o deixa, partindo para sua família, enquanto ele busca ajuda em uma colônia de deficientes auditivos. O interessante é que o filme não se preocupa em oferecer meios para driblar sua recém descoberta condição, mas, sim, em aprender como melhor viver a partir dela. É essa a perspectiva que irá fazer a diferença, afinal. Ele quer voltar a escutar – afinal, para alguém que vive da música, poder escutar ou não é também garantia de sustento – mas aos poucos vai entender que há mais em jogo. Por mais que siga batendo a cabeça e lutando contra, o mundo ao seu redor está mudando. E aceitar que algumas coisas não terão como voltar a ser como antes faz parte do jogo.
Para tanto, há outro ponto importante nessa caminhada: a relação que estabelece não com a (ex) namorada, mas com Joe (Paul Raci, veterano de séries como Goliath, 2018, e Parks and Recreation, 2010, em um dos seus primeiros trabalhos de destaque no cinema). Este será a voz da razão, o olhar da sabedoria e, principalmente, o exemplo a guiá-lo nesse até então inédito contexto. Acompanhar Ruben em sua relutância em aceitar o que lhe abate é sofrido, pois sabe-se de que nada adianta resistir, mas também concreto, pois quem não teria o mesmo tipo de reação? Há empatia de sobra em tudo o que ele faz, por mais que seu cabelo descolorido, suas tatuagens e a música cheia de energia que o domina não sejam para todos. Há muito mais dentro dele do que todos esses disfarces possam indicar. O diretor sabe disso, e o ator ainda mais. É por isso, portanto, que ambos fazem de O Som do Silêncio uma caminhada longa, repleta de tropeços, mas que, inevitavelmente, leva seus personagens a um destino distinto daquele onde estavam antes do primeiro passo.
Se Raci soa quase como uma revelação e Ahmed confirma com ainda maior intensidade o talento que muitos já suspeitavam, há outro nome envolvido que confirma o interesse despertado pelo filme: Derek Cianfrance. O cineasta responsável por títulos doloridos e intensos, como Namorados para Sempre (2010) e a recente minissérie I Know This Much is True (2020), não só esteve ao lado de Marder na concepção da trama que depois seria desenvolvida por esse como roteiro, como também apoiou o colega sendo um dos produtores do longa. Os que conhecem mais a fundo o cinema de Cianfrance irão constatar que seu nome está inscrito do início ao fim de O Som do Silêncio. Isso, longe de ser um demérito, se torna um aliado no forte efeito que essa história de revolta e redenção provoca em sua audiência, fazendo que aquilo que é percebido tenha um efeito duradouro, tanto na reflexão, como também na sensibilidade dos que, ao contrário do protagonista, ainda lutam para encontrar motivos para sorrir.
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