Crítica
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Sinopse
O Sucessor: Feliz e realizado, Elias se torna o novo diretor artístico de uma renomada casa de Alta Costura francesa. Ao saber que seu pai, com quem não mantinha contato há muitos anos, faleceu de um ataque cardíaco, ele viaja para o Quebec, no Canadá, a fim de resolver questões da herança. Seleção oficial do Festival Varilux de Cinema Francês 2024.
Crítica
Ellias (Marc-André Grondin) é o novo queridinho do mundo da moda parisiense. Aparentemente pronto para assumir o trono antes ocupado pelo recém-falecido estilista principal de uma das marcas importantes da França, ele é apresentado em O Sucessor como um sujeito encarando essa responsabilidade com certas dificuldades. No entanto, o cineasta Xavier Legrand não percebe a pequena crise do homem como fruto da falta de confiança em si mesmo. Ainda no que diz respeito às aparências, Ellias é um profissional mais que preparado para ocupar o lugar de destaque sob os holofotes desse universo glamuroso. Portanto, a sua inquietação é de outra natureza, uma menos pronunciada. A taquicardia um pouco antes de entrar no palco para ser saudado depois do desfile triunfante de sua estreia anuncia essa fragilidade. Como manda o figurino, ele procura ajuda médica e, no máximo, é alertado sobre uma leve hipertensão que pode ter a ver com ansiedade e crise do pânico. Indagado sobre o histórico de saúde na família, é obrigado a se reportar ao pai com quem não fala há anos. Na medida em que essa trama avança ganhando contornos de suspense psicológico, o fato de ele ser um “sucessor” ganha duplo significado: o primeiro se refere ao trabalho e o segundo está ligado às heranças paternas indesejadas. De volta a Quebec, no Canadá, para cuidar do funeral do pai, Ellias é surpreendido.
Ellias é um forasteiro na casa do próprio pai, o rapaz que vai descobrindo pequenas coisas a respeito do falecido semidesconhecido com quem rompeu relações há anos. Xavier Legrand constrói de maneira sóbria a reentrada do protagonista nesse universo em parte familiar, noutra obscuro. São comuns no cinema esses personagens que retornam às suas cidades-natais por conta da morte de um ente querido, circunstâncias propícias para a tensão entre a versão anterior dessa pessoa e a atual. Felizmente, o cineasta se afasta dos clichês desse tipo de trama em O Sucessor, logo se concentrando na jornada internalizada de um homem ocupado pela vida do pai que não lhe interessava vivo, quanto menos morto. Em apenas um momento Xavier mostra Ellias encontrando alguém conhecido da época em que era um jovem estudante de moda e não o sério candidato a ocupar o principal posto da alta costura parisiense. E mesmo nesse instante a ideia não é criar qualquer tipo de relação sentimentalista entre passado e presente, pois a mulher conhecida em questão é a agente funerária designada para ajudar Ellias a lidar com as questões burocráticas do enterro do pai. Essa interação poderia ser mais indicativa de algo escondido nas entrelinhas? Sim, mas o diretor resolve não mergulhar em certos paralelos ou elaborar com maior profundidade a sensação de morte que vai tomando conta do enredo.
O Sucessor é um suspense moderado que ganha contornos tensos a partir de uma revelação bombástica, do famigerado plot twist. Uma vez que Ellias está conhecendo o pai em contato com o interior de sua residência vazia, ele acaba descobrindo uma coisa absolutamente espantosa enquanto investiga o cômodo secreto numa adjacência do porão. Claro que para não estragar a surpresa do leitor esse dado será omitido da crítica, mas é preciso dizer que a extensão da novidade macabra é capaz de ressignificar completamente essa reconexão. Xavier é um pouco descuidado ao desenvolver o comportamento do protagonista diante do novo e angustiante cenário, especialmente ao formular uma sucessão de erros que fará dele efetivamente herdeiro da situação inimaginável envolvendo o pai. Sem colocar todas as cartas na mesa, deixando algumas escondidas estrategicamente para aumentar a dimensão trágica no clímax, Xavier Legrand segue focado na experiência pessoal de um personagem agora desorientado pela mescla de surpresa e assombro. Pena que é didático demais quando Ellias diz, se referindo ao pai, “fiz tudo para não ficar parecido com ele”, logo depois de involuntariamente fazer uma coisa que o conecta de modo inquietante à memória do falecido. A nova camada de hereditariedade poderia ser compreendida sem esse diálogo frágil expositivo que induz a uma interpretação.
Há um elemento visual que ajuda esporadicamente a desenhar o martírio de Ellias. Trata-se da espiral ou, mais precisamente, do redemoinho. Consagrado como um símbolo gráfico associado ao perigo e/ou à morte por Alfred Hitchcock em Um Corpo que Cai (1958) e Psicose (1960), ele aparece em dois momentos para enfatizar o estado de espírito do fashionista. No primeiro, as modelos do desfile encarregado de abrir o filme não transitam por uma passarela retilínea, mas por uma estrategicamente espiralada que causa uma simbólica sensação de vertigem, de perder-se rumo ao centro. No segundo, a rampa da funerária é nesse mesmo formato. São duas cenas em que Ellias está à prova, sob extrema pressão emocional e psicológica. O Sucessor nunca ultrapassa a linha que divide os suspenses de qualidade dos excepcionais, permanecendo confortavelmente no espaço dedicado aos competentes, porém sem toques de genialidade. Marc-André Grondin está bem como o protagonista obrigado a lidar com uma circunstância tétrica que, simultaneamente, revela algo nefasto da existência paterna e leva a uma espécie de transferência de responsabilidades, um fardo pesadíssimo herdado à revelia de sua vontade. Xavier distribui algumas pistas falsas pelo caminho (como a roupa de manequim menor presente no armário do falecido), as utilizando pontualmente para colocar pulgas atrás de nossas orelhas e assim distrair a nossa atenção da verdade – se bem que nem havia como adivinhar o que viria.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês em outubro de 2024.
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