Crítica
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Sinopse
Crítica
O cinema de horror possui seus signos e parâmetros, assim como qualquer outro gênero cinematográfico. No entanto, algumas questões estão acima dessas diretrizes, como as reais intenções da trama a ser contada e o quanto se pode forçar ou não os limites dessas supostas regras. Scott Derrickson, diretor e roteirista de O Telefone Preto, não é um novato nesse âmbito, e demonstrou em ocasiões anteriores desenvoltura suficiente para trilhar por estes caminhos sem deslizes ou tropeços de maiores repercussões. Diferente, porém, do que se verifica nessa sua mais recente incursão pelo tema. Ainda que a proposta tente se defender por detrás de uma combinação de thriller policial com suspense sobrenatural, o espectador mais atento poderá perceber outros elementos postos em cena, alguns perigosamente próximos de uma visão tóxica e contaminada, de contornos político e social, confrontando ideias que vão além do plano dramático. Assim, geram reflexões até mesmo a respeito da identidade dos envolvidos – em ambos os lados da tela – enquanto membros de um ambiente dito civilizado. Como se a fantasia, por mais afeita ao terror que se mostre, fosse desculpa para não espelhar comportamentos similares na vida real – o que, em última instância, não se confirma. Afinal, o discurso, em um cenário ou noutro, termina por ser o mesmo. Tanto o que precisa ser combatido como aquele válido de reconhecimento.
Desde o primeiro momento, a fotografia envelhecida e monocromática se esforça em emular uma realidade deprimente e desprovida de maiores emoções. Em um bairro afastado dos grandes centros, longe dos cuidados das autoridades, jovens em nível escolar começam a desaparecer, um atrás do outro. Ninguém parece fazer nada a respeito, ainda que detetives circulem pela área fazendo perguntas e anotações. Não se trata, portanto, de má vontade: é apenas incompetência e falta de mão de obra, pelo jeito. Quando Finney (Mason Thames, de For All Mankind, 2019) é levado pelo mesmo suspeito alardeado como provável culpado pelos sequestros – um palhaço dissimulado, em um furgão de vidros escuros, carregando balões pretos – tem-se não uma surpresa, mas uma confirmação: o medo está presente, e ter que se deparar com ele não é uma questão de se, mas, sim, de quando. Ao menino será reservado o mesmo destino de outros antes dele: o porão de uma casa afastada, no qual se encontra apenas um colchão velho, uma latrina suja e um telefone na parede. Aparelho que, aparentemente, não funciona. Até que passa a tocar.
É nesse ponto, sem nenhuma indicação prévia, que o fantástico passa a ocupar espaço considerável na trama. Pois aquela fonte de comunicação com o exterior – ou seria com o além? – está, de fato, fora de uso, ou ao menos é o que garante o responsável pelo cárcere. Então, a partir do chamado da campainha e do levantar do gancho, quem estará no outro lado? As dúvidas e questionamentos começam a se acumular, mas o importante é descobrir que, independente de quem seja, há uma explícita vontade em ajudar o garoto a sair dali. Se num primeiro momento oferecia-se ao público um ambiente de depressão e angústia, com pais espancando seus filhos, professores tolerantes a um bullying quase institucional e crianças carentes de carinhos e cuidados, nesse segundo momento o que se vê é o desenrolar de um jogo de gato e rato, no qual o mais fraco contará com o apoio do desconhecido para vencer as tarefas às quais se vê submetido pela força de outro. Como se isso não fosse esquemático o suficiente, soa ainda mais bizarro se dar conta que os policiais estarão fazendo uso de métodos similares, optando por se guiar por sonhos e intuições, ao invés de pistas e depoimentos concretos.
Resumindo sua história a uma mera questão matemática, quase como o desenrolar de um videogame de etapas, Derrickson deixa claro estar distante dos anos mais criativos que geraram títulos como O Exorcismo de Emily Rose (2005), contentando-se em apenas emular fórmulas conhecidas, como visto no genérico Livrai-nos do Mal (2014). O nível de desperdício atinge outros patamares até mesmo com a escalação de Ethan Hawke – com quem havia trabalhado antes em A Entidade (2012) – que toda aparição se dá escondendo-se por trás de uma máscara (uma mania gratuita, nunca justificada pelo roteiro) ou das mãos. É o descarte de um ator de talento no nível da presença de Pedro Pascal em The Mandalorian (2019-2022) – qual o sentido de tê-los diante de um personagem que nada exige do seu investimento facial? Assim como desvia de um emprego mais ativo do astro, o cineasta também tangencia, sem nunca se aprofundar, em outras questões ainda mais pertinentes ao quadro desenhado, como pedofilia, abandono familiar e abuso paternal. Cada uma dessas violências, por si só, merecia uma investigação detalhada. Mergulho esse que ninguém por aqui parece disposto a dar.
Como se os problemas de O Telefone Preto não fossem suficientes pela inconsistência da proposta apresentada, seu desfecho é ainda mais digno de ser contestado. Afinal, a lógica do “bandido bom é bandido morto” acaba por ditar as ações dos personagens, favorecendo um desfecho catártico – ainda que longe de ser verossímil – ao invés de investir em uma representatividade de justiça e civilidade que pudesse, de fato, fazer frente às atrocidades percorridas até então. Assim, desprovido de um conjunto consistente, o todo se revela também passível de uma indagação profunda, pois aponta para uma tendência reacionária e conservadora. Quando despreza os caminhos oficiais, escolhendo deliberadamente fazer da vítima um assassino, o diretor coloca nas mãos do indivíduo a responsabilidade de ter que lidar com monstros como o aqui exposto. Porém, essas são ameaças ao coletivo, e sabe-se que, ao desprezar a ordem das coisas, somente o caos pode ser esperado como resultado.
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