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Crítica


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Sinopse

O diplomata brasileiro Francisco Chagas Freitas é dono de uma das maiores coleções particulares de arte não conformista da Alemanha Oriental. Ele é a chave para entender o papel do artista naquela conjuntura de repressão.

Crítica

Apenas nos últimos minutos de O Tesouro Esquecido o cineasta Tom Ehrhardt faz um diagnóstico da visão romantizada que brasileiro Francisco Chagas Freitas tem da República Democrática da Alemanha (RDA), também conhecida como Alemanha Oriental. Essa opção soa como um arremate solto num documentário que carece de foco, ora empenhado em mostrar o estrangeiro como um guardião da expressão artística germânica, ora detido nos breves testemunhos de homens e mulheres que lutaram contra a repressão do regime instaurado no lado oriental do muro de Berlim. Tudo começa com a apresentação da coleção impressionante que está no Brasil, um conjunto refletindo períodos bastante específicos de uma nação que não existe mais. O realizador acompanha o diplomata numa exposição no Rio de Janeiro. A ocasião possibilita visibilidade ao trabalho de coletar peças que lhe aguçavam o apetite de colecionador. Não fica muito clara qual é a prioridade.

O Tesouro Esquecido tenta abraçar vieses demais, mas acaba, inclusive pela falta de um fio condutor denso, abordando as coisas de modo superficial. Em determinado momento do filme, Chagas Freitas simplesmente some, dando espaço aos depoimentos dos criativos que tinham sua liberdade limitada por um regime que apenas reconhecia a validade das obras filiadas ao Realismo Socialista. Tom Ehrhardt chega a ressaltar as características dessa vertente oficial, mas não se demora em possíveis comparações ou na valorização das alternativas então frequentemente marginalizadas. Apontando a diversas direções, às vezes dando a impressão de atirar a esmo na esperança de que bastem os bons personagens e a valentia da arte resistente num clima da austeridade estatal, o documentário lança possibilidades enquanto soterra as anteriores sem desenvolvê-las de forma condizente com suas relevâncias. Há vários filmes contidos neste exemplar de menos de 80 minutos.

Francisco Chagas Freitas não é escrutinado ao ponto de ser instigante. Em certos instantes, consegue se desvencilhar da dificuldade diretiva para conferir espessura, compartilhando histórias curiosas do período histórico sintomático. Porém, na maior parte de O Tesouro Esquecido ele serve como um transmissor mal aproveitado, haja vista quando o vemos na Amazônia, para onde levou alguns alemães que transformaram nossas matérias-primas em impulsos abstratos. Os reencontros com os velhos amigos de um passado distante são marcados por um afeto mútuo, mas o cineasta não tem tato suficiente para atrelar as esferas íntimas ao contexto político tão importante ao que se debate ao largo das tantas visitas pessoais/profissionais. O protagonista, assim, fica demasiadamente a mercê de leituras superficiais. Tom Ehrhardt lança mão de uma mitificação tola para tratar alguns aspectos dessa trama, vide a insistência em falar dos tais lugares secretos.

O Tesouro Esquecido tenta ser sobre a arte reprimida na República Democrática da Alemanha; acerca de Francisco Chagas Freitas, brasileiro que se converteu num guardião das obras antes excluídas; e, também, a respeito das dificuldades dos artistas diante de governos autoritários. Acaba sendo um pouquinho de tudo isso, mas em doses tão homeopáticas e carentes de contornos que nada ganha o relevo equivalente às suas importâncias. Nesse processo de exumação pouco se fala da indisposição atual da Alemanha para reconhecer e dar evidência a esculturas, quadros e demais produtos dos criativos da falecida RDA. Na verdade o filme restringe a observação dessa má vontade a uma análise do próprio diplomata, mas não é capaz de expandi-la com outros componentes ou substancia-la a partir do prisma de demais entendidos no assunto. Como fator positivo, a porta de entrada a um período tão fértil quanto silenciado de um país literalmente dividido ao meio.

 

Filme visto on-line no 7º BIFF – Brasília International Film Festival.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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