Crítica
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Sinopse
No início dos anos 1980, uma guerra generalizada eclode entre os chefes da Máfia siciliana pelo controle do tráfico de heroína. Integrante de alto escalão, Tommaso Buscetta foge para se esconder no Brasil, enquanto seus filhos e irmãos são assassinados em Palermo. Preso pela polícia brasileira e extraditado para a Itália, toma uma decisão que irá mudar os rumos da Máfia italiana: encontrar-se com o juiz Giovanni Falcone e trair o voto eterno que fez à Cosa Nostra.
Crítica
“Tommaso Buscetta foi um dos mais importantes membros da Cosa Nostra, a máfia siciliana. Foi um ‘arrependido’, ou seja, colaborou com a Justiça delatando companheiros e informando o juiz Giovanni Falcone sobre as estruturas da organização e seus esquemas de corrupção de políticos”. Se essas frases parecem cordatas demais, como que extraídas da Wikipedia, a impressão é correta. E assim se dá, pois também a impressão que se tem em grande parte do desenrolar dos acontecimentos de O Traidor, longa escrito e dirigido por Marco Bellocchio, um dos grandes nomes do cinema italiano ainda em atividade. Essa sensação, presente principalmente na parte inicial da trama, felizmente se dissipa com mais intensidade na metade final, quando a história passa a se concentrar não no que o protagonista fez, mas nas consequências dos seus atos. É quando o espectador é colocado diante de um palco atraente até mesmo para aqueles não familiarizados com os eventos descritos. E é por isso, também, que o filme consegue se sobressair de uma mediocridade anunciada, indo além da mera descrição narrativa de acontecimentos que parecem há muito terem ficado no passado, mas que até hoje provocam repercussões.
A calmaria que antecede a tempestade. Quando O Traidor começa, estamos em uma festa familiar, com o protagonista rodeado de amigos, parentes e conhecidos. É momento de comemoração, mas também de rígidas regras: quando um dos filhos sai da linha, por exemplo, a reprimenda paterna vem sem meias palavras. No final, entretanto, o que importa é estarem todos juntos, e o registro fotográfico ao término da reunião deixa isso claro. A imagem eternizada, porém, diz mais a respeito do amanhã para todas essas pessoas do que tudo o que viveram até aquele instante. Pois será a última vez que serão vistas num mesmo ambiente, ainda mais em clima de confraternização. Buscetta está de partida. Aquele mundo ficou para trás, e ele busca de uma nova vida. Ao lado da esposa, a brasileira Maria Cristina, partem com os filhos menores para o Rio de Janeiro. Uma existência de contravenções e atividades ilegais parece ter ficado para trás. Obviamente, não será bem assim.
O Tommaso Buscetta que é apresentado ao espectador é um homem determinado, sem medo para enfrentar seus inimigos, disposto a enfrentar de frente seus erros e as implicações geradas por estes atos. Está em fuga, cansado de tudo aquilo, mas também pronto para olhar para frente. Quando é preso, enfim, essa visão que persegue passa a se manifestar. Ele não foi embora por medo ou insegurança. Foi por discordância. A máfia que conhecia, e teria ajudado a criar, não mais existia. Tudo havia se modificado. E não queria mais fazer parte daquilo. Tanto que, quando aceita um acordo com a polícia para revelar a verdade escondida nos bastidores, não o faz por covardia ou por lhe faltar a palavra. Assim decide proceder por não concordar com os rumos tomados por aqueles responsáveis por continuidade aos seus esforços. É quando, portanto, a verdadeira pergunta se manifesta: quem seria o real traidor? Ele, ou os que o precederam, obrigando-o a se afastar da própria casa?
Não há preparação para o que está por vir. Assim como o mundo literalmente desaba sobre Buscetta e sua família, e também sobre os mafiosos que por ele foram delatados, o mesmo se dá com a audiência. Bellocchio não se preocupa em amenizar esse processo. A contagem de mortos só aumenta, e os casos vão ficando cada vez mais assustadores – e impiedosos. Da mesma forma, os letreiros se acumulam na tela, com nomes, datas e lugares. As informações são em quantidade absurda, e qualquer um mais desatento irá se perder no meio de tanto a ser aprendido, decorado e inserido. Tudo isso pode tornar o desenrolar da trama um tanto confusa. E assim se dá, de fato. Idas e vindas ao Brasil, uma temporada nos Estados Unidos, as passagens pela Itália. As mudanças geográficas só não são mais intensas do que as alterações temporais, idas e vindas em flashbacks que nem sempre se ocupam em deixar claro como se posicionam no frigir dos fatos. Há didatismo, sim, mas em meio a um caos que nem todos conseguirão apreender de forma eficiente. O filme é resultado de um trabalho monumental, e isso às vezes pode escapar, devido à magnitude de tudo que se propõe a compreender.
Para tanto, há um ator em estado pleno de excelência à frente do elenco: Pierfrancesco Favino. Conhecido por produções hollywoodianas, como Anjos e Demônios (2009) e Guerra Mundial Z (2013), ele mostra em cena que é muito mais do que um coadjuvante de luxo, exibindo determinação, simpatia e até mesmo frustração com os rumos das suas decisões, criando um personagem complexo, mas não desprovido de intensidade. Ao seu lado, Maria Fernanda Cândido cumpre bem o papel de “Sophia Loren brasileira”, mas o filme não está interessado nela, e por isso lhe reserva poucos momentos de brilho. No mais, o espetáculo é mesmo de Bellocchio, seja nas sequências nos tribunais italianos – quando demonstra a sua genialidade, como um maestro diante de uma afinada orquestra – ou mesmo nas cenas mais íntimas, nas quais o homem por trás – e à frente – de tudo isso, enfim, se revela em todas as suas cores. O Traidor é uma obra à antiga, e como tal deve ser percebida. De difícil digestão, mas não teria como ser diferente, diante do tema que decide abordar. E por essa coragem, é digna de atenção e reconhecimento por muitos dos seus evidentes méritos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Francisco Carbone | 7 |
MÉDIA | 6.5 |
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