Sinopse
Após um terrível ataque contra si e de se recuperar das sequelas deixadas, Brad, um jovem de dezenove anos, se matricula na faculdade junto com o seu irmão. Os dois acabam entrando na mesma fraternidade, porém o que acontece lá em nome da lealdade entre os integrantes testa os dois irmãos e seu relacionamento de maneiras brutais.
Crítica
O mundo é dos homens brancos e definitivamente eles não sabem o que fazer com isso. Discutir os privilégios e desmandos de uma geração acostumada com regalias não é novidade no mundo das artes e, especialmente, do cinema, mas se torna incrivelmente atual quando se trata de discutir o machismo e o patriarcado em algo que, aparentemente, é tão banal quanto um trote de universidade. Pois não é de hoje que são relatadas violentas ações nestas "boas-vindas" aos calouros. Inclusive com finais trágicos. O Trote, de Andrew Neel, vai a fundo no tema numa espécie de denúncia documental, ainda que através de uma obra de ficção.
O filme é uma adaptação da biografia homônima de Brad Land que conta sua experiência com trotes em uma fraternidade da faculdade. Brad (Ben Schnetzer) está em uma festa em casa com seu irmão, Brett (Nick Jonas). Se o mais velho é popular entre todos e recheado de garotas à volta, o caçula é o tímido que não se encaixa naquele ambiente. Ele resolve ir embora e, numa carona, acaba sendo levado a um campo e espancado violentamente.Poucos acreditam em sua história, o que eleva o trauma. Pois Brad vai além: mesmo com as memórias ainda remanescentes do episódio, vai para a mesma universidade do irmão, onde é submetido a outras humilhações e ainda mais violência nos trotes.
Neel, o diretor, não poupa o espectador da violência gráfica, quase de forma documental. Se de cara o público é submetido ao espancamento de Brad, as coisas adquirem proporções ainda maiores na universidade, um recanto onde cada pessoa deveria se sentir segura, mas está longe de ser o caso. Há uma espécie de lavagem cerebral nos estudantes homens (a maioria, brancos e de classe média alta), como se fossem conduzidos a vida inteira àquele momento. As coisas são assim, parece o recado. É como um ritual que não deve ser quebrado, por mais degradante que seja. Os recém-chegados sofrem de tudo: são amarrados, encapuzados, enjaulados, forçados a lutar na lama, bebem até vomitarem, são humilhados sexualmente. A "brincadeira" (sem graça nenhuma) parece uma forma de legitimação da figura do macho, da dominação. E o pior: de forma cíclica, já que, para serem aceitos, os jovens precisam se submeter à tortura, jurar fidelidade e, claro, fazer o mesmo com os próximos novatos.
O elenco é predominantemente masculino, com pouco espaço para mulheres, nem pessoas mais velhas. São jovens adultos que mal saíram das fraldas e acham que podem fazer o que quiserem pela conivência de terem um status econômico e social mais elevado que outros. Na pele do protagonista, Ben Schnetzer demonstra segurança do papel, deixando em evidência todas as camadas de alguém que está prestes a explodir por aguentar tamanha humilhação e sofrimento. Afinal, neste mundo masculino, desabafar e chorar equivale a crime com consequências nefastas. Talvez por isso mesmo, sendo mais expansivo pela falta de inibição de seu personagem, Nick Jonas surpreenda com nuances tão delicadas que variam entre a preocupação com o que acontece ao irmão e aquela famosa "fidelidade" à fraternidade.
É um retrato desta frágil e insegura figura masculina que predomina há séculos, e que com o avanço dos discursos de igualdade de sexos, liberdade sexual e contra o racismo, parece se sentir acuado, precisando desopilar de alguma forma. No caso, a mais primitiva delas, como se fossem homens das cavernas que precisam baternos outros para se sentirem superiores. O Trote não é um filme de fácil digestão, assim como também não é o mais bem realizado do gênero. Porém, se a violência parece gratuita nas imagens e com menos discurso do que se poderia esperar, é importante para dar um tapa na cara do espectador e dizer "trote desse jeito não é brincadeira de jeito nenhum". Ainda que muitos por aí acreditem que não seja nada demais.
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