O Tubérculo
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Lucas Camargo de Barros, Nicolas Thomé Zetune
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O Tubérculo
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2024
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
A avó de um brasileiro radicado em Portugal morre por conta de sintomas que a impediam de dormir. O sujeito então deixa Lisboa, cidade na qual fixou residência há anos, e retorna à sua cidade natal no Brasil. Nela, passa a ser assombrado pelos fantasmas do passado.
Crítica
Numa época em que filmar com meios digitais permite uma série de vantagens, especialmente econômicas e de praticidade produtiva, há cineastas que insistem em trabalhar com películas, um gesto de resistência aos formatos hegemônicos dessa indústria em que tempo é dinheiro. Christopher Nolan e Quentin Tarantino são exemplos de realizadores que insistem em lidar com material analógico de 35mm (às vezes de 70mm). Eles fazem valer o poder angariado por conta do êxito de seus trabalhos para gesticular contra a obsolescência do filme propriamente dito. Com O Tubérculo, Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune radicalizam esse aceno ao passado como forma de o valorizar, mas utilizando película de 8mm, o famoso Super-8, que tem como uma das principais características render imagens granuladas de baixo contraste. Para efeito de curiosidade, é bom pontuar que há décadas não se fazia no Brasil um longa-metragem em Super-8, principalmente por conta das dificuldades de ordem técnica ao manuseio, à revelação e à pós-produção, isso sem contar as limitações que o formato impõe. Mas, justamente por conta dessas barreiras, o Super-8 é um terreno muito fértil à experimentação. Neste exemplar selecionado à Mostra Aurora da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, a invenção é o signo principal, o aspecto norteador da tentativa de fazer uma história de amor muito peculiar.
O cenário é o Brasil de 2023, num momento bem específico de transição política – a saída do ultradireitista Jair Bolsonaro e a recondução do progressista Lula à presidência da república. No entanto, a realidade do filme é um pouco divergente da nossa, pois agrega dados de ficção científica, vide a existência de uma doença hereditária que impede as pessoas de dormirem até seus cérebros entrarem em colapso por fadiga. O protagonista é Gustavo (Gustavo Casabona), brasileiro radicado há mais de 20 anos em Portugal, que volta a esse Brasil imaginado para reivindicar a herança deixada pela avó. A idosa acabou de morrer em decorrência da tal enfermidade. Dito assim, pode parecer que estamos diante de uma trama convencional, daquelas em que personagens regressam às suas terras natais e se confrontam com aspectos mal resolvidos do passado enquanto se sentem forasteiros no próprio ninho. Em sentido estrito, é basicamente isso o que acontece. Mas, em termos gerais, a trama pouco importa. Isso porque os realizadores estão mais empenhados em experimentar a linguagem e estabelecer um curto-circuito entre esse conteúdo relativamente banal e a forma bastante singular. Os personagens se movimentam como se fossem autômatos, os diálogos são empostados e escassos, as imagens são ora bem compostas, ora desleixadas. E o saldo da fatura vai decepcionando gradativamente.
O Tubérculo pega emprestadas as convenções desse tipo de história dos regressados em confronto com o próprio passado e faz delas os termos comuns em contraste com o esqueleto estético/narrativo experimental. Essa fricção entre forma e conteúdo poderia ser interessante, desde que fossem mantidas elaboradas as aparentes contradições e/ou ainda que fossem sublinhadas insuspeitas conexões entre o banal e o excepcional. No entanto, Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune alimentam pouco esse diálogo, fazendo da experiência uma contemplação formal cada vez mais esvaziada de significado e que torna o enredo uma mera formalidade submetida às experiências com sons e imagens – cujas discrepâncias internas são mais afetivas no que diz respeito à costura de aparentes incompatibilidades. O visual granulado de baixo contraste que acentua as cores primárias é emoldurado por um desenho sonoro rico e de altíssima nitidez. Ou seja, essa dissonância entre a limitação (imagem) e a abundância (som) cria um tensionamento que captura o nosso interesse, isso porque os cineastas atentam à importância de elaborar essa desarmonia. É precisamente o que não acontece na comunicação entre o conjunto estético com lampejos sofisticados e o enredo consciente do lugares-comuns a serem desenvolvidos em meio aos resultados obtidos pela utilização dessa película de Super-8.
Uma vez esgotada a curiosidade diante ao gesto anacrônico super-oitista, O Tubérculo entra num estado de inércia. Gustavo passa os dias transitando pela cidade interiorana na qual sua avó fez fama como fazendeira emérita, tendo encontros ocos, pseudo-indicativos de seu incômodo existencial por causa do retorno. Como esse personagem é praticamente inexpressivo, há pouca margem para adesão emocional, seja com as questões que emergem timidamente diante dos mesmos cenários de antes ou ainda com os efeitos de reencontrar uma velha paixão do passado. Em certo momento, no que parece mais uma atitude fetichista do que necessariamente um agregador narrativo, dois coadjuvantes conversam sobre a experiência de estar fazendo um filme. Essa quebra de fronteiras entre o mundo diegético (o do filme) e o nosso não tem qualquer impacto, parecendo apenas uma tentativa de ressuscitar por desfibrilação um paciente há alguns minutos sem qualquer sinal de pulsação. Como o miolo dramático não é desenvolvido, servindo estritamente como um recheio da experimentação audiovisual, pouco importam os rumos de Gustavo e que a questão da doença seja resolvida com uma explicação psicanalítica simplista. Por fim, Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune acenam ao público com doses de paternalismo e condescendência ao inserir uma personagem para elucidar tudinho em detalhes.
Filme visto na 27ª Mostra de Cinema de Gostoso, em janeiro de 2024.
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