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Sinopse
Em O Último Judeu, Bellisha tem 27 anos leva uma vida tranquila como se fosse aposentado: frequenta cafés, vai ao mercado e passeia pela cidade. Ele mora com a mãe, Giselle, que raramente sai e acredita que ele está firmemente integrado na vida profissional. Tudo muda quando Giselle percebe que são os últimos judeus do bairro. Ela está convencida de que chegou a hora de partirem também. Bellisha prefere ficar e, para tranquilizar sua mãe, finge que está planejando a partida deles. Selecionado para o Festival Varilux de Cinema Francês 2024.
Crítica
Depois de dirigir alguns curtas-metragens e episódios de séries de TV, Noé Debré finalmente debuta na direção de longas-metragens com O Último Judeu. No entanto, não estamos falando de alguém com pouca experiência audiovisual, pois ele assinou o roteiro de diversas produções conhecidas, tais como Stillwater: Em Busca da Verdade (2021), O Príncipe Esquecido (2020), O Orgulho (2017) e Dheepan: O Refúgio (2015) – vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes – entre muitos outros. Para essa sua estreia comandando longas, ele preferiu abordar temas espinhosos de maneira leve. Seu protagonista é Bellisha (Michael Zindel), adulto de 27 anos de idade que mora num apartamento suburbano com a mãe. O mais importante para definir prontamente o protagonista é o fato de ele ser judeu e viver na região que antes abrigava uma comunidade judaica considerável, mas que na atualidade possui um aspecto mais multiétnico. Apresentado ao público por um narrador onisciente e onipresente, ele chama a atenção desde o começo por sua particularidade, sobretudo pela maneira avoada com a qual passa os seus dias. Debré faz questão de pontuar as peculiaridades de mãe e filho para fazer deles imediatamente únicos, ainda que partes de um grupo: Bellisha mente; já Giselle (Agnès Jaoui) praticamente não sai de casa e afirma sempre que precisa se mudar. Mas esses traços logo desaparecem do filme.
O cenário que Noé Debré apresenta é interessante e confere uma perspectiva própria do multiculturalismo crescente nas metrópoles europeias repletas de imigrantes. Bellisha e sua mãe são judeus argelinos que moram há anos por ali, mas começam a questionar a própria permanência depois de os comércios kosher (os que obedecem às leis judaicas) simplesmente fecharem na vizinhança em que até a sinagoga encerra atividades por obsolescência. No fundo, mesmo com uma pegada leve que vai ganhando contornos tragicômicos aos poucos, O Último Judeu contempla os vários dilemas do pertencimento. Já que mãe e filho são profundamente enraizados no judaísmo pouco praticado nos últimos anos na redondeza, o que eles ainda estão fazendo por ali? No entanto, o realizador prefere não se aprofundar nesse e tampouco em outros questionamentos que acabam surgindo nas perambulações de Bellisha à procura de algo que lhe dê uma perspectiva de futuro. Noé Debré parece mais interessado em enfatizar os maneirismos do protagonista, inclusive a sua permanência num limbo existencial, do que expandir a conversa para perceber a complexidade de tudo o que está em jogo. Nem a doença da mãe e tampouco o número crescente de árabes ao redor criar tensão adicional à observação de Bellisha como um ponto crucial de crise do judaísmo na França. Mas, na verdade, o filme nem chega longe assim.
De certa forma, O Último Judeu fala do colapso da comunidade judaica pelas necessidades de outros grupos étnicos-religiosos. Bellisha e a mãe testemunham o desaparecimento de sua identidade do horizonte porque há outros imigrantes, refugiados e expatriados com urgência de ocupação. Em alguma medida, pode-se até pensar nessa comédia leve como um comentário sobre a desterritorialização dos judeus, já que o protagonista está em instabilidade justamente por conta da debandada dos semelhantes à procura de outros territórios possíveis. No entanto, é bom deixar bem claro que o filme não demonstra qualquer animosidade com os árabes e os egressos do continente africano que aos poucos se tornam maioria ali. Ao longo da trama há indícios de dificuldade de convivência, como quando o eletricista muçulmano se recusa a entrar na casa do protagonista por conta de um símbolo judaico fixado na porta de entrada. Além disso, o filme não contém uma história inocente em busca do ideal da tolerância entre os povos como aqueles exemplares que atribuem ao amor romântico a tarefa de curar os males do mundo. Mas também não vai muito além de fazer comentários agridoces e quase inofensivos a respeito de uma crise pessoal revelando problemas familiares que, por sua vez, viram questão maior. Noé Debré não desenvolve a tão mencionada sensação de pertencimento como um fiel da balança.
O Último Judeu tem algumas semelhanças com o argentino (e muito melhor) O Abraço Partido (2004). Ambos falam de jovens adultos judeus ainda morando com as mães, delas dependentes economicamente, e que tem pais ausentes. Os dois investem na peculiaridade das pessoas e do cenário, além de mostrar os protagonistas tendo casos com moças gentias que não receberiam a aprovação de mães calcadas nos principais lugares-comuns da maternidade judaica. No entanto, este filme selecionado para o Festival Varilux de Cinema Francês 2024 é bem mais do tipo “rapidamente esquecível”, uma vez que se foca demais nas peculiaridades do protagonista pouco carismático e cujas ações não são mais que anotações de uma sátira agridoce com boas intenções. Noé Debré tem proposições interessantes, como falar de senso de pertencimento partindo da esfera familiar e, num crescendo, chegar até um entendimento sobre a mudança no panorama sociocultural da França. Porém, como acaba não se aprofundando em nada, sendo mais propenso a encarar Bellisha como um sujeito ímpar, não um sintoma/indicativo político, o diretor deixa claro que o entorno é apenas a moldura, não essencial para determinar quem é o homem e como é difícil partir. Bellisha é o inerte obrigado a pensar em movimento. O fato de ser judeu e estar num ambiente em transformação é a circunstância que exige dele uma atitude.
Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês em novembro de 2024.
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