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Crítica


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Sinopse

Em um futuro próximo, a cidade de Paris é sitiada por uma névoa misteriosa capaz de matar seus moradores. Um jovem casal precisa garantir a sobrevivência de sua família dentro do caos que se instaura na região. Sem eletricidade, comida ou água, fica evidente que eles não receberão nenhum tipo de ajuda e para sobreviver será necessário deixar o local e enfrentar a terrível fumaça.

Crítica

Os contornos familiares são mais importantes em O Último Suspiro que, necessariamente, o insólito surgimento de uma névoa espessa que extermina boa parte dos moradores de Paris. Claro que a ocorrência letal molda o comportamento dos personagens, mas não assume o protagonismo efetivo, senão na condição de elemento que altera a realidade, forçando determinadas reaproximações e sacrifícios inevitáveis. Mathieu (Romain Duris) e Anna (Olga Kurylenko) são pais da pré-adolescente Sarah (Fantine Harduin), portadora de uma síndrome congênita raríssima que a obriga a permanecer confinada numa cápsula altamente tecnológica, espaço que todos chamam de bolha. Homem e mulher estão separados, mas são vizinhos, exatamente porque o estado de saúde da menina inspira cuidados de ambos. A aparição da neblina assassina acarreta o afastamento do trio, com a enferma no ambiente rigorosamente controlado e o ex-casal se abrigando no andar superior, a priori, salvo da ameaça.

O cineasta Daniel Roby faz um filme em que a missão essencial das pessoas é sobreviver. Para tanto, não promove a construção paralela de uma explicação catedrática sobre o ar denso e tóxico que toma conta das ruas da capital francesa. Tampouco se atém ferrenhamente à consolidação de metáforas, mesmo lançando subsídios de uma dinâmica que poderia, facilmente, ser entendida como mensagem ecológica. A neblina se instaura após um terremoto, fenômeno que denota a força da natureza. Some isso à fala de Anna sobre toda ação acarretar inevitavelmente uma reação, referida ao provável revide do planeta vilipendiado pela raça dominante, e temos uma suposição, não confirmada, tampouco descartada. As frequentes alusões à religiosidade trazem à baila, sutilmente, a esfera da fé, não desenhada como instância em que estão as respostas. O Último Suspiro deixa esse espaço aberto às conjecturas do espectador, mas não fomenta a curiosidade, se focando no quesito humano.

Tudo no filme está condicionado pela preocupação dos pais com a integridade física da filha. Eles atravessam a cidade em busca de um traje especial, enfrentam toda sorte de problemas, somente para que ela não padeça no recinto de viver que lhe cabe. A carga de tensão é genuína, embora flutuante. A progressão da barreira vai engrossando a difícil missão de Mathieu e Anna, os interligando – está aí uma convenção, a breve reconciliação afetiva propiciada por uma ameaça inexplicável –, e o realizador investe nesses instantes, buscando imprimir urgência, ora logrando êxito, ora incorrendo em passagens mornas. Mas, em linhas gerais, o longa-metragem consegue manter efetivamente aceso o interesse pelo destino da gente, estreitando o foco em componentes pontuais, como a limitação dos cilindros de oxigênio que permitem aos adultos uma locomoção segura pelas ruas nessa permanente corrida contra o tempo e o desconhecido.

O Último Suspiro, a despeito dessa bem-vinda negação de um didatismo que poderia coloca-lo em âmbito banal, se acanha demasiadamente, escondendo suas intenções para além da detida observação familiar. Essa fragilidade não permite que, por exemplo, alguns desdobramentos ganhem sintomas mais dramáticos. Entretanto, a manutenção da trama nesse limiar entre a ignorância, no que concerne à amplitude da situação, e a perfeita ciência, relacionada às atitudes imediatas para evitar o padecimento dos remanescentes, garante o bom andamento da história. O desempenho do elenco também ajuda no adensamento do conjunto, já que prevalecem os traços humanos em meio a uma tragédia não devidamente mensurada, por simples ausência de ferramentas. Daniel Roby deixa ocasionalmente a peteca cair, não fazendo das circunstanciais repetições algo fundamentalmente vigoroso. O resultado é um filme irregular, mas suficientemente sensível para sobrepujar suas falhas e nos instigar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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