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Crítica


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Sinopse

Jovem camponesa, Pauline cria cotidianamente seus animais demonstrando um profundo respeito pela natureza. A chegada de Samuel, sujeito encarregado de instalar uma turbina eólica na localidade, vai modificar sensivelmente seu lar e colocar em crise boa parte de seus valores.

Crítica

As dicotomias ditam a narrativa de O Vento Muda, bem como a existência de sua protagonista, Pauline (Mélanie Thierry). Da citação à autora britânica Rebecca West, servindo de prefácio ao longa, sobre a ambivalência humana e seus sentimentos – sanidade e loucura, prazer e dor, felicidade e sofrimento – à sequência inicial em meio a uma tempestade noturna, na qual Pauline e seu companheiro, Alex (Pierre Deladonchamps), buscam socorrer uma das vacas de sua fazenda prestes a dar à luz a um bezerro – que não sobrevive ao parto – a cineasta suíça, Bettina Oberli, expõe como vida e morte, começo e fim, invariavelmente, caminham lado a lado. Tal constatação acaba sendo acentuada pela escolha de Pauline por uma vida longe da civilização, ao lado de Alex. Uma espécie de regresso à essência, convivendo em maior comunhão com a natureza, sem celulares ou outros adventos tecnológicos modernos.

O fator conflitante presente nessa escolha acaba sendo potencializado quando o casal decide instalar um gerador eólico em sua propriedade, para que possam ter energia elétrica de fonte natural e renovável. O acontecimento que deveria selar a completude desse sonho/projeto de vida, contudo, termina justamente por provocar seu desmoronamento, colocando em xeque as certezas, sentimentos e mesmo o relacionamento de Pauline e Alex. Esse desequilíbrio coincide também com a entrada de dois personagens alheios à realidade particular do casal. A primeira é Galina (Anastasia Shevtsova), jovem ucraniana vinda de Chernobyl, por meio de um programa assistencial, para passar uma temporada em meio à natureza tratando de sua saúde. Mas é mesmo a segunda figura que surge como o agente principal da ruptura: Samuel (Nuno Lopes), o engenheiro de origem portuguesa responsável pela instalação da turbina eólica.

Já em sua chegada, o personagem reforça a característica dicotômica da trama, ao atropelar um dos porcos da fazenda. Sua presença vem acompanhada da morte, significando ao mesmo tempo a possibilidade de fim e de início para Pauline, que após uma repulsa momentânea acaba desenvolvendo atração por ele. Oberli expõe as peças e arquiteta a situação desse conflito sem muitos rodeios, se valendo da economia narrativa, e por vezes da fragmentação – que se reflete na montagem de determinadas cenas, especialmente nas de sexo – para apresentar motivações e dinâmicas, como a do casal central, sendo Alex o mais radical em sua postura, enquanto Pauline, ainda que compartilhando em grande parte do mesmo sentimento, se mostra mais oscilante – como na questão sobre aceitar ou não que sua irmã, veterinária, trate dos animais da fazenda.

Em certos momentos, essa economia resvala na simplificação excessiva, com algumas questões se resolvendo rápido demais, caso da adaptação de Galina à vida campestre – que se insinuava inicialmente como algo mais complexo – ou mesmo a própria mudança de percepção de Pauline a respeito de Samuel. Ainda assim, Oberli oferece estofo suficiente para que se compreendam os dilemas de sua protagonista, que vê a ideia de liberdade contida em seu modo de viver se confundir com o aprisionamento e o isolamento. Neste ponto, Galina acaba servindo, além de confidente, como um catalisador desse sentimento libertário – vide a sequência em que as duas vão à festa na cidade. Dando foco total ao conflito interno de Pauline, por vezes em detrimento de um desenvolvimento mais profundo dos personagens que a cercam, Oberli encontra uma representação potente na atuação de Mélanie Thierry.

A entrega emocional da atriz deixa transparecer todas as fragilidades e contradições da personagem, bem como o seu desejo, tanto o carnal quanto o de fuga, que encontra em Samuel – o forasteiro aventureiro, sem raízes, que fala diversos idiomas – a válvula de escape ideal e um contraponto radical a Alex. No atrito entre esses dois mundos, a relação com o engenheiro se mostra não uma resposta definitiva, mas algo simbólico da chance de mudança, de se deixar pelos rumos do vento, como sugere o título. Estes simbolismos de O Vento Muda, por sinal, são construídos imageticamente com esmero pela cineasta, como a própria imagem da turbina eólica, sonora e visualmente imponente, funcionando como lembrete constante das angústias da protagonista.

Outro exemplo é bela sequência da neblina na estrada, carregada não apenas de tensão sexual, no primeiro contato físico de Pauline e Samuel, mas também de uma tensão alegórica, do ato de se deslocar por um caminho impreciso, sem que se tenha uma visão clara do que vem à frente e correndo-se o risco de cair do precipício. Um risco que sinaliza à tragédia que paira sobre o terceiro ato e que vem carregado novamente da ambivalência fim/(re)começo, com Oberli colocando Pauline frente ao precipício pela segunda vez. Sendo esta, agora, não mais uma representação do perigo da queda, mas do olhar para vastidão do espaço e das possibilidades que o futuro reserva.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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