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Sinopse
Em Oeste Outra Vez, no sertão de Goiás, homens brutos que não conseguem lidar com suas fragilidades são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros. Selecionado para o 52° Festival de Cinema de Gramado (2024).
Crítica
Um estudo sobre a masculinidade frágil, tendo como terreno um gênero tipicamente feito por e para machos, no conceito mais amplo desta definição. Assim pode ser descrito Oeste Outra Vez, segundo longa de Erico Rassi e o primeiro desde sua estreia com o instigante Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta (2016). Nesta mais recente investida do realizador por detrás das câmeras, ele retoma alguns dos temas já explorados em seu trabalho anterior, mas agora sob um ponto de vista ainda mais crítico e provocador. Dessa forma, alcança um resultado coeso, que se por vezes parece se distrair em demasia com desvios que pouco contribuem à narrativa, no todo se revela pontual e afiado, tal qual a mira de um atirador há muito acostumado com a instabilidade de suas promessas, mas seguro de uma pontaria que se recusa a envelhecer.
A primeira sequência de Oeste Outra Vez é primorosa, e revela mais sobra a trama a se desenrolar dali em diante do que o olhar despreocupado poderá perceber. Em um ambiente árido, em uma estrada perdida entre o nada e o lugar nenhum, Totó (Angelo Antonio) aguarda pela chegada daquele que há tanto espera. Quando Durval (Babu Santana), enfim, se aproxima, o outro manobra de forma rápida para interromper seu livre trânsito. Os dois abandonam as direções de seus veículos, e no meio da via de chão batido começam a se enfrentar, entre socos, chutes e pontapés. A mulher, que a isso observa, apenas abre a porta do carro, deixando Durval para trás, sem nem ao menos olhar para Totó, e parte em seu caminho, rumo ao horizonte. Para trás ficam os homens que lutam entre si. Adiante segue ela, segura de si e de suas decisões, sem se deixar envolver por sentimentos que ficaram no passado, muito menos por possibilidades futuras que parecem evaporar no presente.
A situação logo se esclarece. O bom é que o roteiro, também de autoria de Rassi, não se preocupa com explicações desnecessárias ou exposições didáticas. Tudo é feito de forma orgânica, preservando os silêncios e a obtusidade que ditam as relações em um ambiente seco e desprovido de laços que perdurem. Totó foi abandonado pela esposa, e ela agora vive com Durval. Para eles, no entanto, é como se a elas não houvesse direito de escolha, e tudo pudesse ser resolvido entre os varões, na ponta da faca ou na mira do revólver. E assim, eles brigam. E se machucam. E trocam juras de morte. É quando entra em cena Jerominho (Rodger Rogério, visto em Bacurau, 2019), provavelmente o mais interessante dessa galeria de personagens falhos e perdidos no tempo. Tomado por um matador profissional, aceita a encomenda que Totó lhe leva: dar cabo da vida de Durval. Porém, quando os tantos tiros que descarrega se recusam a acertar o alvo, será a vez do acuado contratar seus próprios capangas. E uma disputa que nem precisava ter existido, que carrega o nome de “honra” mas se esconder na verdade por detrás de orgulhos feridos, acaba envolvendo tantos outros além daqueles diretamente afetados.
Angelo Antonio é o que foi abandonado, carregando machucados que renega ao mesmo tempo em que age movido pelas feridas que trás dentro de si. Sua atuação é feita por meio de nuances, revelando mais através do não dito do que pelo que de fato chega a ser expresso. Babu Santana, por outro lado, é o gigante dócil, que reage apenas quando provocado. Se os dois são lados distintos de uma mesma moeda, Rogério é aquele que proporciona as maiores surpresas. Seu jeito pausado de falar, a cortesia disfarçada e os modos comedidos indicam mais sobre sua história do que talvez lhe fosse interessante mostrar. Quando, enfim, se assume como quem é no fundo, não será por isso que refutará a missão que lhe foi confiada. Os códigos que transcorrem de um para o outro guardam algumas das melhores reviravoltas da história. A violência percorre suas motivações, mas os atos são gentis, quase polidos. Essa contradição é apenas um dos tantos acertos do conjunto.
Erico Rassi parte desse conto de derrotas para ilustrar o quão perdidos estes que até então se acreditavam no controle hoje se encontram. Escondidos no meio do mato e longe de tudo e todos, voltam-se a si mesmos, pois não há mais a quem recorrer. E nem mesmo crenças que carregam consigo se confirmam reais, pois são mais desculpas criadas para si do que fatos capazes de serem comprovados. Oeste Outra Vez é um faroeste construído por meio de artifícios identificados com esse ambiente e linguagem, mas elaborado a partir de problemáticas contemporâneas e urgentes, que encontram aqui um espaço propício para o debate e a reflexão, não muito pelo que é dito ou exposto, mas por tudo que carrega nos meandros dos seus acontecimentos e nas segundas – ou terceiras – camadas das falas defendidas por personagens que se agarram ao pouco que ainda pensam ter para não apenas buscar algum tipo de validação, mas também não se permitir o ocaso da passagem de tempo. É um esforço desesperado contra o esquecimento. Tão inútil quanto suas complicadas vontades, mas fértil em explicações para as raízes das violências que há muito se perpetuam, e que agora, uma vez entendidas, podem, enfim, ser enfrentadas – e superadas.
Filme visto durante o 52º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2024
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