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Sinopse

Miyo Sasaki é uma adolescente perdidamente apaixonada por Kento Hinode, seu colega de classe. Ela a todo momento tenta chamar sua atenção, que a despreza por completo. Um dia, ela conhece um gato gigante que lhe oferece uma máscara, com a qual pode se transformar em gato sempre que quiser. Ela passa a usá-la para se aproximar de Kento, ganhando sua afeição como felino. Obcecada em conquistá-lo e sem conseguir sucesso como humana, Miyo fica tentada a aceitar a proposta do vendedor de máscaras e se tornar gato para sempre. Para tanto, precisará abdicar de sua forma humana, que também possui uma máscara própria.

Crítica

Há uma vertente recente na animação japonesa que tem apostado no amor exacerbado, aquele que tudo pode e por tudo vale a pena, capitaneado pelos longas dirigidos por Makoto Shinkai (Your Name, 2016, e O Tempo com Você, 2019). Olhos de Gato, lançado diretamente pela Netflix, segue também esta linha, de forma mais comedida e, sob certo aspecto, bem questionável.

A grande questão é o foco dado à personagem principal, Miyo Sasaki, retratada sempre a partir do amor platônico que sente pelo colega de classe Kento Hinode, por ela apelidado de "Kento Raio de Sol". O motivo? "Antes desejava o fim do mundo todos os dias, agora o acho lindo", ela diz. "Quero ouvi-lo dizer eu te amo", comenta logo nos primeiros minutos. O mundo ilumina quando Kento fala com ela, não apenas metaforicamente mas também esteticamente, na própria animação, tudo porque "ele é incrível", respeita e se preocupa com a família, um dia dividiu a merenda comigo e justificativas do tipo.

Quem já assistiu Death Note (2006 - 2007) - não o terrível filme da Netflix, mas a ótima série japonesa também disponível na plataforma de streaming - logo poderá associar Miyo a Misa Amane, irritante em sua paixonite exagerada pelo personagem principal, ao ponto de se humilhar e se sujeitar a tudo que ele queira apenas porque assim deseja. Miyo também é assim, sem um pingo de amor próprio que a faça refletir sobre seus atos, mesmo sob os constantes alertas de sua melhor amiga. Ou seja, trata-se de uma personagem cuja existência serve à devoção de um garoto, apenas porque ela decidiu que assim será, em nome do ideal exacerbado pregado por tal vertente. No fim das contas, trata-se também de um desserviço à representatividade feminina, por mais que no segundo ato até haja uma "justificativa" para tal postura.

Entretanto, felizmente, nem só de tal postura é Olhos de Gato. O filme também bebe diretamente da fonte de tantas produções do Studio Ghibli em relação à forma naturalista com a qual aborda o fantástico, no caso, a possibilidade que um humano se transforme em gato, e vice-versa, a partir do uso de máscaras ardilosamente negociadas por um vendedor, a bíblica serpente do conto de Adão e Eva apresentada em versão anime. Quando este aspecto da narrativa ganha predominância em detrimento aos excessos da paixonite de Miyo, o filme cresce bastante. Não por acaso, o terceiro ato é, de longe, o melhor do filme.

Neste sentido, um dos aspectos mais interessantes é a forma como o tal vendedor de máscaras é apresentado. Travestido como um gato, claro!, ele traz consigo um sorriso sedutor que serve, também, de porta de entrada a um mundo oculto aos olhos humanos. É em tal jornada pelo desconhecido que o filme tanto lembra as produções do Ghibli, ao apresentar uma ilha dos gatos tão atraente aos olhos quanto em relação aos signos de tal realidade, os quais o espectador precisa decifrar para compreendê-la. Nada muito complicado, nem é este o objetivo, mas é quando o filme enfim entrega algum frescor e criatividade. O problema todo é suportar a paixonite contínua de Miyo até enfim chegar ao trecho que realmente importa.

Sem identidade própria, Olhos de Gato decepciona muito mais pela ótica apresentada do que propriamente devido a problemas narrativos ou mesmo estéticos - a animação, por sinal, é bem competente. O legado deixado pelas animações de Shinkai fica ainda mais tangível nas duas breves sequências em que o casal principal passeia de mãos dadas ao som de canções pop japonesas, outro ícone da cartilha de Cinema do diretor. É uma pena que a animação japonesa, tão rica e tão diversa, esteja trilhando um caminho tão pobre, em termos de narrativa.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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