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Sinopse

Onoff é um escritor famoso no mundo todo. No entanto, ele não publica um novo livro há algum tempo. Mesmo assim, se deleita por ter criado uma personalidade reclusa. Numa noite de tempestade, é apanhado pela polícia sem qualquer identificação ou memória dos acontecimentos recentes, deixando as autoridades desconfiadas. Durante o interrogatório, um inspetor apaixonado por literatura tenta apurar o que aconteceu e mergulha na mente do autor que admirava para revelar um misterioso crime.

Crítica

Versão brasileira de Uma Simples Formalidade (1994), de Giuseppe Tornatore, On Off tem como principal atrativo inicial o plano-sequência, espécie de prova de esmero técnico que suprime a montagem. Desse modo, sem cortes (aparentes), temos a história de Onoff (Caio Blat), escritor mundialmente famoso levado abaixo de chuva a uma delegacia em virtude da suspeita policial de que tenha assassinado um homem achado desfigurado. Pelo menos é isso que o Inspetor (Cadu Fávero) diz ao justificar a coerção do escritor e o fato de mantê-lo sob custódia durante o interrogatório numa noite escura (e estranha). O diretor Lírio Ferreira desenha essa atmosfera repleta de mistérios tangenciando a ideia de pesadelo expressionista. Isso, vide as imagens em preto e branco de baixo contraste e a forma como a câmera “ataca” os personagens, sempre os investigando em busca do escondido sob a superfície das palavras. Será que Onoff está sendo confundido com outra pessoa ou a sua culpabilidade está encoberta por esse véu de confusão que apresenta ao seu inquiridor? A delegacia é situada numa fábrica abandonada, o que retira o realismo do horizonte e evidencia o diálogo com o teatro. Diferentemente de outros cineastas que se afastam dessa forte conexão com a arte dos palcos, Lírio tenta extrair algo de potente da comunicação entre formas distintas de contar histórias. O resultado nem sempre é instigante.

Por um lado, On Off consegue ser um engenhoso jogo de gato e rato, principalmente por conta da qualidade do roteiro assinado por Cadu Fávero, que contém uma série de pequenas armadilhas. As contradições dos depoimentos de Onoff tensionam a comunicação entre investigador e escritor, numa dinâmica marcada pela inconsistência. O Investigador não deixa passar qualquer das falhas no depoimento do suspeito, sempre pontuando quando há divergências ou algo que evidencia problemas de retórica. Então, o texto e a ótima atuação dos atores que protagonizam o duelo enervante são os grandes méritos do filme que visualmente se torna repetitivo. Lírio fica circulando a mesa que separa os personagens, às vezes para durante um tempo nas laterais, mas não vai além disso no quesito exploração do espaço. Apenas em um instante cria movimentos circulares que investigam convenientemente as texturas da fábrica abandonada para colocar Onoff em outro ambiente, na cama onde supostamente tem o sonho que revela a realidade kafkiana da qual é “vítima”. Uma vez cientes da verdade por trás dessa conversa e da condução do escritor àquele lugar, é de lamentar que o diretor não invista no desenho de uma circunstância ainda mais limiar entre a realidade e o fantástico, que insista no jogo cênico que tem como principal mérito concentrar as atenções nos diálogos e nos atores.

No longa-metragem de Giuseppe Tornatore, Onoff é vivido por Gérard Depardieu enquanto o Inspetor é interpretado por Roman Polanski. Em On Off o também roteirista Cadu Fávero desempenha muito bem o papel do inquiridor admirador da obra de seu suspeito, transitando entre a emoção de estar diante do ídolo e a implacabilidade no cumprimento de seu dever. Caio Blat também se destaca positivamente, mas pela concepção da figura que precisa demonstrar um estado peculiar de confusão mental, incapaz de identificar a citação de seu livro no começo, logo ciente dos termos com os quais negociará com seu fã-algoz, mas mantido num tom de exasperação que beira a exaustão emocional. No entanto, nem mesmo o desempenho notável desses atores que operam num trânsito entre teatro e cinema consegue evitar certo marasmo dominante em determinados momentos, principalmente quando a trama não está pontuando as contradições indicativas do discurso de Onoff. Lírio Ferreira opta pela serenidade em detrimento da agressividade nesse conflito, com isso deixando pistas sobre a missão do Inspetor. Pena que ele não invista de modo enfático na criação de uma atmosfera de pesadelo, moldura que poderia transformar a “simples formalidade” numa descida tétrica ao inferno antes da assumpção. As animosidades se tornam convenções na longuíssima jornada noite adentro.

Lírio Ferreira propõe um interessante jogo de esconde-esconde, deixando pistas soltas para instigar o espectador a descobrir identidades e motivações. Como o Inspetor sabe tanto a respeito do ídolo e ainda assim não o reconheceu? Da mesma forma, porque ele ora demonstra estima, ora parece um carrasco criando subsídios para pegar o suspeito na arapuca discursiva? Já pelo lado de Onoff, o que ocasiona as contradições gritantes, ao ponto de ele trocar nomes de pessoas com as quais supostamente interagiu há pouco e modificar as versões de eventos não menos recentes? On Off é estimulante em certos momentos (especialmente na elaboração das contradições que causam o tensionamento entre os personagens), mas acaba deixando a peteca cair por não transportar à imagem essa crise (apesar da linda fotografia). Elementos como os raios que causam superexposição luminosa momentânea e o som da chuva torrencial/ trovejante são utilizados esporadicamente, assim não atingindo o patamar de característica marcante dessa situação com contornos angustiantes. Portanto, a tempestade que antecede a bonança depende excessivamente da engenhosidade dos diálogos e do desempenho dos atores, pois é construída com certa estagnação do ponto de vista da imagem. A beleza da fotografia em preto e branco é insuficiente para transportar ao visual a complexidade que mora nas palavras.
Filme visto durante a 25º Festival do Rio (2023)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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