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Sinopse

A jovem Jenniffer mora com a mãe e o irmão. A matriarca se sacrifica pelo bem estar dos dois e apoia a carreira esportiva da filha. Porém, essa trajetória é ameaçada pela contusão que faz Jennifer pensar em abandonar tudo.

Crítica

O primeiro longa do cineasta brasileiro Aldemar Matias se chama La Arrancada, título alusivo à ação que introduz um deslocamento provavelmente acelerado. Já ao lançamento no Brasil, via streaming, preferiu-se a versão norte-americana, On The Starting Line, algo como Na Linha de Partida (em tradução livre). Em princípio, a diferença não parece enorme. Mas, um sublinha o movimento e o outro a inércia que o antecede. A vantagem do original, além da maior carga poética, é melhor fazer jus ao sumo do que testemunhamos em pouco mais de uma hora. Uma família cubana é constantemente atravessada por pequenos rituais que tangem à iminência da emancipação da prole. Marbelis, a mãe, é a funcionária pública que demonstra com afinco e disciplina praticamente militar o seu zelo pela não proliferação do mosquito aedes aegypti. No cumprimento do trabalho, investe a mesma energia normalista com a qual conduz os dilemas dos dois filhos prontos a dar passos significativos para desgarrar-se. É um drama familiar íntimo, de sobriedade calcada nos gestos.

Enquanto ajuda Yeyo a preparar a mudança ao Chile, essa matriarca diligente, ora rígida, ora sobretudo afetuosa, acompanha os dilemas de Jenniffer, aspirante a corredora que aparenta não ter tanta convicção quanto ao seu futuro no atletismo. Aliás, boa parte de On The Starting Line acontece no choque entre as idas e vindas da jovem na pista de treinamento. Ali, onde são forjados os homens e as mulheres tidos em Cuba, na teoria, como deuses olimpianos, isso conforme o treinador explana ufanisticamente numa das preleções. A menina não sabe exatamente se quer ascender ao suposto espaço de proeminência, pois apresenta-se cansada de tentar, desanimada. O realizador não alardeia um desejo de investigar pormenorizadamente essa ausência de motivação, a não ser como algo potencialmente geracional. Importante é o alinhave das decisões diárias, especialmente as várias relutâncias, algumas imediatamente contraditas pela reincidência no campo de treino. Por mais que o discurso de Jenniffer seja de esgotamento, a maior fração de seus atos aponta à insistência.

Boa parte de On The Starting Line se dá nas conversas cotidianas sobre evadir da terra natal para tentar a sorte num lugar diferente. Yeyo está de passagem comprada para o Chile, onde imagina ganhar possibilidades de sobressair como adulto. Jenniffer conversa frequentemente com o namorado que atualmente mora em Minneapolis, cidade norte-americana que fica no estado do Minnesota. Tal dinâmica aponta igualmente ao plano da menina de migrar. Aldemar Matias estabelece um paralelo sutil entre esse ímpeto de alforriar-se da pátria e a consequente separação da genitora esquadrinhada como se fora a própria Cuba, ou seja, cujos sacrifícios do passado geram a oportunidade paradoxal da evasão dos descendentes. Marbelis cobra da atleta comportamentos condizentes com suas aspirações, inclusive pontuando a proibição do consumo de guloseimas, ao qual Jenniffer recorre como sabotagem (in)consciente. A mãe incentiva a emancipação de ambos os filhos, talvez intuindo que seus anseios não caibam naquele território em que viceja o contraste entre tradicional e moderno, vide a belíssima cena na praça apelidada de "WiFi", com todos absortos nos telefones.

On The Starting Line vai sendo construído pela soma de fragmentos comezinhos. Estes são interligados com muita sensibilidade por Aldemar Matias, cujo olhar, tanto aos personagens quanto à Cuba, é bastante generoso, pois não impõe "verdades", sendo guiado pelas diversas observadas nas entrelinhas de práticas e rotinas aparentemente banais. Marbelis, por exemplo, atuando severamente frente a um morador que deixou a caixa d’água se transformar num criadouro de doenças, é a mesma que não se furta de ser rígida ao deparar-se com a indecisão de Jenniffer. Parte de uma juventude que projeta seu futuro longe da ilha, como bem vemos numa rápida interação com amigos de idades semelhantes, ela é impulsionada literal e metaforicamente para fora pelas atitudes maternas de abnegação. A funcionária pública não diz textualmente aos filhos que os dois têm de seguir caminhos diferentes. Atos, além das palavras. Já Jenniffer vacila rumo ao “Olimpo”, quiçá por pressentir que nem todo o reluzente é ouro. Mesmo nesse porvir idealizado, não há óbvias garantias de êxito.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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