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Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Num lugar isolado, pai e filho, trabalhadores de uma serralheria, encontram um corpo estranho no matagal próximo. Os dois têm reações distintas, embora igualmente queiram saber de onde veio aquele insólito cadáver.

Crítica

Oração ao Cadáver Desconhecido lida frontalmente com a noção do fantástico ao apresentar a situação insólita do cadáver estranho deixado (por quem?) num cenário próximo a dois homens, pai e filho, que trabalham numa serralheria vizinha ao local da desova. O jovem demonstra medo diante daquela presença pálida, sem vida e com o olhar petrificado, de traços que o distanciam um pouco da concepção humana. Já o mais velho, talvez excitado por algo que quebre aquele fluxo modorrento de cortar madeira e construir móveis, decide se apropriar do corpo desfalecido, sem demonstrar claramente suas intenções. O cineasta Sávio Fernandes faz um curta bem mais detido nos detalhes, na forma como fragmentos são justapostos para criar uma sensação de inquietude, do que necessariamente no mistério por trás de uma aparição tão incomum.

A rarefação de elementos nem sempre funciona para criar terrenos férteis de indeterminação. Oração ao Cadáver Desconhecido transcorre sem deflagrar devidamente o seu sentido (ou porque), a não ser como demonstração das capacidades diretivas para atrelar componentes audiovisuais a fim de produzir sentido. Todavia, este é fugaz e inconstante. Certas cenas são mais impactantes do que outras e ocasionalmente a montagem deixa a desejar quanto à dimensão da tensão porventura criada por esse ruído num ambiente singular. Os vários planos-detalhe de serras alimentam uma impressão de possível perigo, antevendo passos não necessariamente dados, num procedimento que soa tangencial, isso para além do frágil caráter efetivo.

As atuações não figuram entre os predicados de Oração ao Cadáver Desconhecido. Alisson Emanoel, Aurélio Sampaio e Felipe Saraiva estão mais para tipos entrelaçados pela excepcionalidade de uma descoberta incomum. Portanto, as pessoas em cena são meros veículos para que o realizador articule, num processo muito parecido com um teaser, um portfólio ou algo semelhante e de cunho essencialmente demonstrativo, as possibilidades da linguagem, especialmente o desempenho criativo do desenho sonoro e os efeitos digitais que surgem fortes na metade final do curta-metragem. Sobretudo a abdução de alguém, com quase um raio o tragando da Terra e o levando para outra dimensão (nave? galáxia?), é um exemplo da importância da pós-produção ao resultado, nesse sentido, associado à existência de corpos estranhos e gente de outro planeta.

Oração ao Cadáver Desconhecido é um filme bem-sucedido como declaração de intenções cinematográficas, uma argumentação prática das qualidades instrumentais dos profissionais envolvidos. Sintomática disso é a sequência com o corpo transformado num espaço irresoluto. Enquanto a câmera fica detida no semblante do sujeito, o som, emoldurando as expressões faciais, dá conta da literal quebra de ossos. Sávio Fernandes reafirma frequentemente que sabe trabalhar as potencialidades sonoras e visuais, mas peca, principalmente, ao perder de vista a esfera dramatúrgica, bem como ao dispor os elementos num fiapo de trama, cujo andamento não se sustenta completamente no mistério posto na telona como vital. É um bom cartão de visitas.

 

(Filme assistido durante a 29ª edição do Cine Ceará)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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