Sinopse
Crítica
Ele está imóvel na cama. Enquanto questiona a sua falta de fé, ou melhor, a reafirma, alguém limpa seu corpo. Diego (Rômulo Braga) é tetraplégico e passa seus dias em torno de pensamentos e lembranças sobre sua vida passada e atual. Da infância em que espiava mulheres tomando banho pela fresta da porta do vestiário feminino à adolescência, passando pela vida adulta, a falta de perspectiva de trabalhos e o relacionamento problemático com a namorada (Bianca Joy Parte), a quem ele trata com desdém muitas vezes. O diretor Jeorge Pereira, ele mesmo cadeirante, retrata em Organismo uma experiência muito pessoal, mas que toca a todos por tratar de um tema universal e comum para qualquer um: a memória.
Afinal, é a mente do protagonista que divaga por sua vida, que causa identificação com o espectador. Diego é uma pessoa extremamente falha, como qualquer ser humano. O diretor não se furta de mostrar os aspectos negativos da personalidade de seu personagem. Ele trata mal a namorada, e muito, desde antes do acidente que o deixou preso à cadeira de rodas. Em certo momento, chegou a empurrá-la, o que gera uma discussão ferrenha sobre o relacionamento. Em outro ponto, ele a trai. Não uma simples pulada de cerca, mas com a prima dela numa reunião de família.
O filme acaba girando em torno desse relacionamento, não para retratar uma história de amor como tantas outras, mas como base para o personagem de Rômulo Braga questionar muitas decisões tomadas ao longo da vida. Sua namorada tem um amor gigante que a impede de deixar o rapaz e seguir em frente, mesmo tendo todos os motivos para tal. Diego afirma mais de uma vez que não a ama mais, ainda que isso pareça muito mais uma fuga para se sentir menos “coitado”, uma forma de se desvincular de uma autopiedade da qual ele está de saco cheio. São conflitos internos que tomam proporções maiores na junção de imagens do passado (talvez até alguns devaneios e ilusões) com a narração em off do protagonista, que fala da falta de crença em Deus e qualquer religião, assim como questiona o próprio corpo imóvel.
Assistir à Organismo é um exercício de empatia muito maior do que se espera. A câmera de Jeorge Pereira usa o contra-plongée em diversos momentos para nos colocar na situação de Diego, dar-nos sua visão do mundo. Ele não é mais o cara que bebia, fumava maconha, dançava e pulava para tudo que é lado. Agora é um corpo que, na mente, parece agonizar com a ideia de nunca mais poder se mexer. O protagonista parece aceitar a ideia de que morreu para o mundo, ainda que todos ao seu redor lhe ajudem sempre. E o roteiro é hábil ao utilizar a religião não como uma saída, mas sim apenas na condição de aspecto que não faz diferença na vida de Diego, independentemente dele querer ou não tentar sair do seu estado de imobilidade.
Em tempos que se discute muito o tratamento brasileiro dado às minorias, é interessante assistir a um longa-metragem que não levanta bandeiras, mas olha com carinho para alguém que está à margem da sociedade devido à sua condição física. E esse olhar carinhoso não impede de desvelar toda a personalidade ambígua de seu personagem principal, mas sim entender como funciona sua mente e, a partir de seus flashbacks, compreender como o próprio ficou tão amargo, muito antes de estar tetraplégico. A falta de linearidade temporal pode atrapalhar quem prefere uma montagem mais quadrada. Porém, é justamente nessa colcha de retalhos que temos uma maior noção de como vive alguém numa realidade completamente oposta à da maioria. Se colocar no lugar do outro é complicado. Mas se o próprio Diego o faz quando finalmente resolve ouvir sua namorada atentamente ou quando uma tragédia familiar lhe acomete, por que nós não podemos fazer o mesmo? Jeorge Pereira prova com este trabalho que, além de um belo cineasta em potencial, ter empatia é a melhor forma de tocar a vida. Só falta a maioria das pessoas enxergar isto como qualidade, não um defeito.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Matheus Bonez | 7 |
Robledo Milani | 5 |
Diego Benevides | 7 |
MÉDIA | 6.3 |
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