Crítica
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Sinopse
Crítica
O rei está morto. Longa vida ao rei. Ou, no caso do filme do cineasta esloveno Matjaz Ivanisin, talvez o mais apropriado seja substituir o monarca da célebre frase pelo humilde personagem que dá título ao longa. Afinal, o espectador nem chega a conhecê-lo bem – vê-se, de passagem, uma mão, um andar apressado – e logo vem a trágica notícia: Oroslan morreu. Será depois de sua morte, no entanto, que passará a ganhar vida para a audiência, através das lembranças e das memórias daqueles com quem conviveu. É um processo rico, não muito original, mas ainda assim envolvente na medida exata para fazer de uma jornada sofrida um momento de celebração e encantamento pelo que de mais banal e, ainda assim, extraordinário uma vida pode conter. Oroslan não é nada, mas também é um mundo inteiro a ser descoberto.
Ao contrário de Homens que Jogam (2017), seu longa anterior, inteiramente elaborado a partir da arte da observação – no caso, de rapazes e velhos envolvidos em atividades esportivas ou de recreação coletiva – em Oroslan o diretor Ivanisin dá um passo além. O olhar atento permanece, mas há uma outra camada a ser acrescida ao que é vislumbrado. O vilarejo percebido como ponto de partida é quase uma cidade-fantasma, coberta pela névoa da manhã. Assim como o passar de um ano, ou mesmo de um dia, vai-se do nascer do sol ao primeiro acender das luzes, do frio do inverno à abertura das flores na primavera. Da luz, portanto, até o fechar dos olhos. No meio disso tudo, há um homem. Não tanto pelo que fez ou deixou como atestado de sua passagem, mas pelo impacto que causou naqueles com quem conviveu.
O começo é lento. Para um filme que tem pouco mais de uma hora de duração, levar cerca de vinte minutos para exibir os primeiros diálogos revela o mergulho ao qual o espectador é convidado a praticar. É preciso abrir mão de qualquer distração e direcionar o interesse ao mínimo, ao executar diário, à rotina que constrói uma existência. A comida preparada de modo quase automático, o entregador que deixa as marmitas sempre nos mesmos lugares, a visita que chega inesperada e sai sem alarde, mas carregando consigo uma notícia que, se não chega a ser surpreendente, também não causa espanto. Oroslan viveu por muitos anos. Amou e foi amado, trabalhou e deu trabalho, bebeu e se divertiu. Um homem como qualquer outro. E, por isso mesmo, único em tudo aquilo que o faz igual aos demais.
Ivanisin não tem pressa, como já foi dito. Mas esse caminhar se dá de forma deliberada. Assim como se aproxima com cuidado da realidade escolhida, vai também abrindo um leque de possibilidades a respeito daquele que partiu. Um carro vem, homens de branco saem, e da casa que se supõe ser a do falecido, saem com uma maca coberta. Nem nesse momento a face dele é revelada. O interesse não é mostrar o factível. Muito pelo contrário, o curioso está no imaginado, no emaranhado de recordações, na confusão de quem lembra e de quem também esquece. Para eles se foi um bom vizinho, um companheiro de conversa, um inveterado frequentador do bar local, um homem que trabalhou muito, mas que também tinha seus momentos de folga. Longe de ser perfeito, também podia ser visto como preguiçoso, tímido, um pouco folgado, que tremia diante um compromisso mais formal. Qualidades e defeitos tão comuns quanto verdadeiros.
Baseado no conto “Foi Exatamente Assim que Aconteceu”, de Zdravko Dusa, Oroslan parte do dito para imaginar o ocorrido. Se há demora para se adentrar nesse mundo, aos poucos a audiência se sentirá tão familiar quanto qualquer um daqueles que desfrutou da convivência com o personagem-título. De um “olá” tímido para uma conversa desajeitada no trajeto de automóvel, até chegar no bate-papo da mesa de bar e nos depoimentos diretos para a câmera, cada um tem a sua própria verdade a ser compartilhada. Como um quebra-cabeça, o biografado vai ganhando corpo e força a partir de cada nova peça revelada – ou entreouvida. “Ele foi um homem bom”, diz aquele mais comovido, mas também mais direto. E assim, resume tudo, se forma simples, mas absolutamente universal. Precisa dizer mais?
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
Diego Benevides | 7 |
Chico Fireman | 7 |
MÉDIA | 7 |
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