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Mesmo o mais gabaritado dos analistas de desempenho audiovisual ainda deve estar cheio de dúvidas quanto à revolução recente dos streamings. A longo prazo, quais serão os seus efeitos à experiência dos que gostam de filmes e séries? Se antes o mercado tinha certas barreiras aparentemente intransponíveis para determinadas produções e/ou cinematografias ganharem o mundo, agora vivemos numa realidade (ainda um tanto enigmática) em que exemplares vindos de centros emergentes têm condições de chegar à lista mais vistos da semana. Bom, né? Mas, cuidado. Convém não ler essa situação como uma revolução somente positiva, já que ela está atrelada a outros tantos fatores e desdobramentos potencialmente negativos. No entanto, é curioso vivenciar essa transformação que deve ter consequências nas próximas décadas. Os 4 Malfeitores é um filme indonésio que atingiu o topo dos mais vistos da Netflix. Emulando códigos de um cinema de ação notavelmente norte-americano? Sim. Demonstrando pouca ligação específica com seu país e incorrendo numa fórmula de narrativa “universal”? Também. Mas, fazendo isso com um grau de competência suficiente para a experiência ser divertida. Ademais, é fundamental a percepção de que ele não estabelece nenhum compromisso com a realidade. É bastante evidente a sua filiação às obras de teor semelhante dirigidas por Quentin Tarantino.
Quentin Tarantino não inventou a violência desmedida no cinema e tampouco a resgatou de um limbo. No entanto, foi ele quem tornou esse tipo de abordagem popular nas últimas décadas, às vezes esgarçando ainda mais o retrato com cenas e situações brutais para demonstrar o seu apreço pelo artifício cinematográfico. Em Os 4 Malfeitores, o cineasta Timo Tjahjanto também faz isso de brincar com situações extremas, mas flertando de modo mais aberto com a paródia pela utilização do humor como um tempero marcante. Em Kill Bill: Volume 1 (2003), Tarantino faz um pastiche – obra que imita abertamente outro estilo/obra –, citando o seu vasto repertório de filmes orientais de artes marciais marcados por sangue e decapitações claramente falsas. No longa-metragem indonésio que vem dando o que falar, Timo está mais para o campo da paródia com a sua história de um grupo de órfãos adotados por um homem que os treina a fim de criar um time de mercenários de elite. Paródia, pois estamos no terreno da releitura cômica desse enredo que já vimos tantas vezes no cinema hollywoodiano. E a primeira sequência deixa evidentes duas coisas: 1) que a ideia geral é justamente brincar com vários moldes há muito desgastados; 2) que a direção prima por um malabarismo visual a fim de enfatizar o estilo da abordagem. A câmera nervosa, os quadros enviesados e as composições caóticas marcam isso.
Depois de mostrar os mercenários/assassinos carismáticos liderados por Topan (Abimana Aryasatya) desmantelando uma organização de traficantes de órgãos humanos – com direito a brutalidade exacerbada e tiradas engraçadas em meio à matança –, o cineasta Timo Tjahjanto apresenta um panorama com os lugares-comuns desse tipo de filme. Homens de vidas duplas; filhos descobrindo a verdade sobre seus pais depois que eles morrem; pessoas solitárias se reunindo em torno de missões que aparentemente dão significado às suas vidas; conspirações em que amigos traem sem peso na consciência; e um vilão que possui conexões profundas com os mocinhos (anti-heróis, na verdade). O cardápio é repleto de ingredientes e pratos conhecidos. Contudo, isso não significa demérito, pois evidentemente estamos diante de uma obra que deseja obervar comicamente esses componentes a fim de gerar uma reprodução com gosto de paródia. Os 4 Malfeitores não tem qualquer compromisso efetivo com a realidade, tampouco com os contornos dramáticos do enredo, o que torna inútil esperar dele personagens com profundidade dramática e psicológica. O motivo de existir dessa produção é exatamente a sua capacidade de se comunicar com a tradição e molda-la como sinal da preponderância do estilo. Timo Tjahjanto não parece muito preocupado com o “quê”, pois sua pegada sublinha o “como”.
Outro indício dessa natureza paródica é o vilão. Antonio Sandoval (Marthino Lio) é o típico homem incontrolável que age por vingança contra alguém que os mocinhos veneram como santo. Porém, sua história pregressa é uma desculpa esfarrapada para ele ter uma conexão com os oponentes. Nada mais do que isso. O filme é abertamente arquetípico e servil aos modelos que reproduz, ao ponto de o agressor ter uma capanga no melhor estilo “escudeira osso duro”. Alo (Michelle Tahalea) é semelhante àqueles empregados dos vilões da Saga 007 James Bond, cuja força serve de obstáculo e dispositivo para sugerir a força do vilão – se a jagunça é forte assim, imaginamos que o patrão seja ainda pior. Os 4 Malfeitores possui uma condução dinâmica que não deixa a peteca cair tanto durante os cerca de 140 minutos de sua duração. Mas, é bom dizer que nem tudo são flores. Por exemplo, a paixonite esquemática de Topan por Dina (Putri Marino) é pouco efetiva como elemento complicador da missão (ninguém ali pensa/nota que estamos diante de praticamente um incesto?). Além disso, as personalidades dos “irmãos” acabam se anulando em algumas cenas fundamentais para o desfecho, exatamente aquelas em que a ação é desenfreada até borrar as diferenças e tornar todos em luta meio homogêneos. Dito isso, o saldo é positivo pela ginga e pelo sabor da paródia. Já vimos esse filme antes? Muitas vezes. Na Indonésia, brincando com cânones e ainda mantendo alguma personalidade? Aí não.
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