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Sinopse

Casado com a frustrada Gorda, Noronha é um servidor público, pai de três filhas. Quando uma delas volta para casa após ser expulsa do internato por tentar matar uma gata e seus filhotes, vários episódios vão conflituar a família.

Crítica

Se lançado hoje, Os Sete Gatinhos sofreria as duras críticas de um tempo em que somos bem menos tolerantes com, por exemplo, uma clara cena de estupro embalada por um pianinho descontraído. Porém, estamos falando de um filme oriundo da época da Pornochanchada e, ainda mais, de uma adaptação de Nelson Rodrigues, este famoso por abordar em seus escritos temas como sexo, incesto, perversão e brutalidade, principalmente num âmbito familiar. Assim, ao invés de se confirmar como uma história que celebra comportamentos hediondos, o longa de Neville D’Almeida, primeiro, se revela um retrato de sua própria época, e, aos poucos, se transfigura numa análise despudorada da sexualidade e do capitalismo numa sociedade com valores tão estagnados, para isso usando a família de Noronha como um estudo de caso.

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Apesar de merecer as detrações que apontam à objetificação da mulher em suas obras, Rodrigues também deveria receber uma cota justa de elogios por usar o sexo como recurso, com a mesma falta de pudor com que ele e outros tantos autores utilizam a violência - já que, por regra, o primeiro tende a ser muito mais censurado que o segundo, o que já diz algo sobre nós mesmos. Portanto, não é surpresa que várias de suas histórias tenham ido parar nos cinemas durante a Pornochanchada. Porém, longe de querer apenas atrair público pela oferta de seios e vaginas na tela, Neville D’Almeida entende o potencial do texto de Rodrigues, criando com sucesso uma atmosfera cada vez mais deturpada, levando o espectador a se incomodar, não com a exploração da nudez, mas com os próprios conceitos que tem sobre ela.

Noronha (Lima Duarte) é um funcionário público da Câmara dos Deputados que luta para tentar fazer com que sua família seja um exemplo da expectativa social. Ou seja, quer ver as filhas casadas e a esposa esperando-o chegar do trabalho. Porém, das cinco filhas apenas uma arranjou marido, três delas ainda moram com ele, sendo estas conhecidas por beijarem qualquer homem do bairro (uma prefere as mulheres), e a quinta, uma menina de 17 anos, Silene (Cristina Aché), é sua esperança, já que estuda em colégio interno, sendo assim um pretenso símbolo de pureza e inocência, atributos que ele tanto cultiva. Tudo muda, entretanto, quando a garota é trazida de volta sob a acusação de ter matado uma gata prenha de sete filhotes. Tal evento desencadeia uma avalanche dentro de sua casa, levando todos os membros a um conflito entre aquilo que desejam ser/fazer e o que Noronha e a sociedade esperam.

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Interpretado com energia por Lima Duarte, o protagonista é um claro comentário sobre o sistema patriarcal. Não por acaso, sua relação com a esposa (a quem chama de Gorda, sem perceber a ofensa), reprimindo as vontades dela, resulta numa explosão de lascívia, que poderia facilmente ser associada aos movimentos feministas que estouraram depois de tantos séculos (por que não, milênios) de cerceamento. Enquanto isso, as três filhas do meio, Hilda (Sura Berditchevsky), Débora (Sonia Dias) e Arlete (Regina Casé, a melhor e mais destacada do trio), flertam com a prostituição para bancar os estudos de Silene, no que pode ser visto como uma dura crítica à relação do capitalismo e da sexualidade, já que um se nutre do pudor social sobre a outra. O resultado dessa equação é a venda do sexo como um produto exclusivo e raro, moeda de troca para bancar e ostentar a figura de inocência. Aliás, essa analogia fica mais óbvia quando é trazido à trama o tal Bibelô (Antônio Fagundes), um cafajeste metido a gangster que sempre se veste de branco (“vestido como a Virgem”, diz Arlete em certo momento), contradizendo a verdadeira natureza do personagem.

Já Silene é a trágica vítima dessa cascata de convenções. A gata prenha alude à sua situação (já que também está grávida), e os sete filhotinhos representam os membros da família (ela, Noronha, Gorda, Hilda, Débora, Arlete e Aurora), nascidos da “morte da pureza” - a gata era branca, reforçando a metáfora. E, não à toa, quase todos, menos Bibelô e o Dr. Portela (Ary Fontoura), passam a vestir vermelho, assumindo de vez suas características “pecaminosas” - e mesmo os dois supracitados acabam tendo destinos violentos, indicativo de que a falsa inocência representada pelo branco das vestes não resistiu à atmosfera tomada por sexo e violência à qual se recusaram admitir fazer parte.

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Dessa forma, Os Sete Gatinhos, que começa prometendo ser apenas mais um exemplar repleto de vulgaridades e exposição gratuita, aos poucos se converte numa alegoria social intrigante e sombria. Funcionando de maneira atemporal, de modo que, se lançado hoje, não mereceria as duras e precipitadas críticas de um tempo em que infelizmente ainda mantemos os mesmos pudores e moldes sociais de tantas décadas atrás.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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