Crítica
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Sinopse
Um grupo de soldados enfrenta uma série de dificuldades no front italiano, após os sangrentos combates em Altipiano, nordeste do país, em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. Em apenas uma noite, acontecimentos se sucedem sem um padrão definido, e as calmas montanhas podem se tornar um lugar onde os homens morrem.
Crítica
A Primeira Guerra Mundial já foi tema de diversas obras marcantes do cinema – A Grande Ilusão (1937), de Jean Renoir, e Glória Feita de Sangue (1957), de Stanley Kubrick, são apenas alguns dos exemplos – e, ainda que não seja tão retratada nas telas quanto a Segunda Guerra, continua a servir de base para o trabalho de grandes cineastas, como o italiano Ermanno Olmi. Em Os Campos Voltarão, o veterano realizador de A Árvore dos Tamancos (1978) narra a história de um grupo de soldados italianos entrincheirados nas montanhas de seu país durante o período final do conflito. Cercados por tropas austríacas, resta aos combatentes aguardar as diretrizes de seus superiores e torcer para que possam sair com vida desta impiedosa batalha.
Olmi assume declaradamente o caráter de libelo antibelicista de seu trabalho, direcionando todo o seu interesse para as relações humanas que se estabelecem em situações extremas como a iminência da morte durante uma guerra e os efeitos psicológicos de tamanho horror. Sem abrir espaço para atos de heroísmo, patriotismo ou para a ação propriamente dita dos combates, o diretor apresenta personagens que têm seus instintos de sobrevivência mais primitivos despertados pelo medo e pela sensação de impotência diante da realidade na qual se encontram. Em meio a este desespero, os soldados tentam manter os resquícios de humanidade que lhes restam, presentes no gesto do comandante que faz questão de realizar a chamada com o nome e o sobrenome de cada comandado ou da sentinela que canta sob a luz do luar, para o alento de aliados e até mesmo de inimigos.
O olhar lançado por Olmi é bastante desesperançoso, afinal, “a guerra é um animal feio que roda pelo mundo e nunca para”, afirma a frase de um pastor citada durante o longa. O clima estabelecido pelo cineasta é o mais inóspito possível, com as belas – porém gélidas – paisagens montanhosas cercando os homens enclausurados em seu posto. Dentro deste ambiente claustrofóbico, os limites físicos – os ferimentos, o cansaço, a fome, a gripe que se espalha rapidamente – e mentais dos personagens são testados, culminando nas mais distintas reações, que vão do pranto ao suicídio. Mesmo com a curta duração do longa, Olmi trabalha com maestria a construção do ritmo e a dilatação do tempo para transmitir o peso e a angústia da espera, seja pelos mantimentos, pela correspondência ou por novas ordens.
A fotografia de cores esmaecidas, beirando o preto e branco – que remete aos antigos retratos do início do século XX carregados pelos soldados – ajuda a estabelecer o ar melancólico da narrativa, enquanto os diálogos, quase sempre sussurrados e sem o acompanhamento de uma trilha sonora – exceção feita aos créditos iniciais e finais – ressaltam o estado de perda de forças e de emoções destes homens, contrastando com os sons estrondosos e ameaçadores das explosões vindas do lado de fora. Transformados em meras ferramentas de guerra, os soldados surgem como corpos quase sem vida que vagam a serviço dos comandos muitas vezes absurdos de seus superiores, como o de trocar o posto de comunicação sob o fogo cruzado.
O longa de Olmi se permite algumas fugas esporádicas deste cenário opressor, que se dão através da contemplação da natureza, como o vigia que observa a raposa que toda noite atravessa as cercas de arame farpado da trincheira, ou o outro soldado que divide seu pão com um simpático rato. Há também momentos de pura poesia visual, como a sequência com o lariço (árvore típica da região dos alpes) dourado, sem dúvida um dos planos mais inspirados do filme. Mas o diretor faz questão de retornar à dura realidade, com encanto da beleza natural sendo quebrado inevitavelmente pela ação do homem. Ações que trazem à tona também novos dramas sobre o fardo da responsabilidade e a dor da culpa.
Mas, acima de tudo, o principal objetivo de Olmi parece ser a manutenção da memória. O fato de ter se inspirado parcialmente em relatos feitos por seu pai endossa esse sentimento, além de acrescentar uma óbvia carga pessoal à obra. As imagens reais da guerra inseridas próximas ao desfecho do longa só realçam uma busca por reatar o elo com o passado, com a história deixada pra trás, como o soldado que aguarda com sofrimento uma carta de sua esposa, mesmo sabendo da infidelidade da mesma. Ainda que cada personagem ganhe nuances que determinem suas identidades próprias, sob os uniformes surrados, a barba mal feita e a iluminação precária do esconderijo, todos se tornam um só, unidos pela adversidade. E Olmi também se une a eles nesta luta para que suas lembranças não terminem soterradas pela neve.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 8 |
Robledo Milani | 7 |
Francisco Carbone | 9 |
Chico Fireman | 8 |
MÉDIA | 8 |
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