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Sinopse

Cristina é uma artista especializada em desenhos de grafite que, junto a um amigo, se envolve com uma gangue criminosa. Determinados, decidem fazer uma espécie de guerra fria através da única arma que possuem: a arte.

Crítica

A julgar pelos diálogos entre os personagens, a cidade de Medellín atravessa um momento caótico. Gangues se desafiam pelas ruas, bairros desprivilegiados se tornam uma terra de ninguém, jornalistas sofrem ameaças de morte e precisam buscar o exílio. No entanto, o espectador não presencia este germe da violência nas imagens de Os Dias da Baleia. A diretora Catalina Arroyava Restrepo escolhe como ponto de vista o olhar de uma garota de classe média-alta, que desconhece estes problemas em seu cotidiano, enquanto hesita entre duas possibilidades de conforto: morar com o pai e a madrasta num bairro luxuoso, ou se mudar para a casa da mãe jornalista, na Europa, que está ansiosa para recebê-la.

É curioso que estes dilemas pessoais sejam colocados em pé de igualdade pelo projeto, como se a precariedade na vida dos personagens fosse a mesma: por um lado, o grafiteiro Simon (David Escallón Orrego) é pressionado pelo conteúdo político de sua arte, sofrendo ameaças de morte; por outro lado, Cristina (Laura Tobón Ochoa) precisa decidir entre a vida com o pai ou a viagem com a mãe. A menção à crise social se torna distante da personagem: como ela não enxerga as ações concretas das gangues, o espectador também não presencia estes momentos. Nosso olhar é condicionado ao ponto de vista de uma jovem afetuosa, porém inconsequente e amoral: mesmo sabendo que todos ao redor podem sofrer represálias graves caso ela pinte uma baleia no muro onde as gangues deixam suas ameaças de morte, ela decide fazê-lo mesmo assim. E por que não faria, certo?

Por um lado, compreende-se que a visão adotada seja aquela de fora – não é incomum que dramas adotem o olhar do estrangeiro para imergir num microcosmo de regras particulares, de modo a informar o espectador enquanto informa o forasteiro. Por outro lado, Cristina jamais imerge neste outro mundo: sempre que a corda ameaça romper, os prejudicados são os outros, e ela pode voltar para sua casa, onde o pai a espera e a mãe gentil está disponível para desabafos ao telefone. Existe uma tensão evidente entre classes sociais distintas, entre gêneros (a posição da mulher grafiteira num universo ainda fortemente masculino) e entre visões de mundo (os artistas contra a sociedade patriarcal), no entanto Os Dias da Baleia evita se aprofundar nestes temas. O desfecho exemplifica esta isenção moral: diante de um personagem ferido, de futuro incerto, a câmera se foca no rosto de Cristina, ilesa, que pode seguir sua vida como se nada tivesse acontecido. Não há interesse real na vida dos coadjuvantes.

Esteticamente, Restrepo adota uma cartilha naturalista funcional, ainda que pouco inventiva: utilizando a imagem em formato scope, segue seus personagens o tempo inteiro, concentra-se no rosto e nas interações de aparência verossímil – os diversos muros grafitados, os deslocamentos de bicicleta pela cidade, a convivência no ateliê dos artistas. Em termos de ritmo, direção de arte e construção de personagens, estas figuras são verossímeis graças ao talento da diretora para a construção da mise en scène despojada, movida por diálogos de linguagem coloquial. A câmera treme até demais, buscando cada gesto com a mão, cada conversa entre Cristina e Simon pelas muretas dos prédios. A aparência de filme urbano, juvenil e passado sobretudo em exteriores é bem construída pela produção, ainda que a postura passiva da protagonista impeça o resultado de se adquirir a urgência necessária.

Ao final, a escolha de Cristina como protagonista – ao invés de Simon, Lucas ou qualquer outro frequentador do núcleo artístico – serve para impedir o filme de politizar seu tema social. A cineasta sabe muito bem descrever uma situação de desconforto, sugerindo o perigo, porém sem se importar com as causas ou consequências do mesmo. A baleia, gesto de transgressão poética, possui forte valor para Cristina em termos de autonomia – ela não está disposta a abrir mão de sua liberdade de expressão – mas representa ainda mais para Simon, Lucas e os demais em termos de repressão – afinal, são os mais pobres que sofrem as consequências. A baleia representa ao mesmo tempo uma ousadia e traquinagem, um gesto de coragem e um gesto de egoísmo. Se o filme se dedicasse a problematizar este aspecto central, talvez o maior e mais evidente conflito do filme, poderia ter ido muito mais longe em sua proposta.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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