Crítica
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Sinopse
O corpo de cinco adolescentes moradores de uma pequena comunidade começa a sofrer uma transmutação. Diante da repulsa dos demais moradores, o quinteto deve escolher entre a aparente normalidade e o seu lado dragão.
Crítica
Especialmente nos últimos anos, o cinema feito no Rio Grande do Sul tem apresentado como um de seus temas recorrentes o cotidiano dos jovens nas pequenas cidades. Em Antes que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo, havia o retrato da adolescência sem incentivos para permanecer em regiões que parecem paradas no tempo. Em Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), o paulista Esmir Filho partiu de um livro do gaúcho Ismael Caneppele para abordar a mesma questão, mas com um viés diferente. Coincidência ou não, no mesmo ano de 2009 Gustavo Spolidoro fez um filme subestimado na história recente do cinema brasileiro e que merece mais atenção por diversos motivos. Morro do Céu (2009) misturava ficção e documentário num jogo narrativo instigante que tinha como protagonista o morador de uma minúscula comunidade da Serra Gaúcha. Spolidoro volta a esse tópico em Os Dragões, mas agora utilizando as ferramentas do cinema fantástico para fazer uma alegoria das dificuldades do crescimento e de ser diferente. Na localidade de Monte Vêneto, cinco adolescentes começam a sofrer mudanças físicas drásticas. Em vez do engrossar da voz e das alterações de certas partes do corpo, eles desenvolvem características típicas dos mitológicos dragões: chifres, escamas, fome descontrolada, presas afiadíssimas e, sobretudo, a capacidade de expelir rajadas de fogo.
Spolidoro opta prioritariamente, de novo, por um elenco com pouca ou nenhuma experiência prévia de interpretação. Infelizmente, o resultado fica aquém do visto em Morro do Céu. E a diferença de enfoque é determinante para isso. No longa-metragem anterior, o cineasta fazia a sua câmera se integrar ao cotidiano do protagonista ao ponto de em certos instantes ser difícil distinguir flagrante, espontaneidade e encenação. Em Os Dragões, a proposta narrativa é mais convencional, com atores e atrizes desempenhando papeis notadamente ficcionais. A falta de fluidez e naturalidade não é utilizada pelo realizador enquanto um fator do discurso – como ruído valorizando paradoxalmente os contornos da fantasia. A inexperiência dos intérpretes compromete a intensidade dramática das cenas. Os diálogos empostados são um empecilho para “comprarmos” a metáfora protagonizada por adolescentes tratados como aberrações pela comunidade que os viu nascer e crescer. Aliás, o cineasta não elabora bem a relação que esses garotos e garotas em processo de mutação têm com as forças locais, os limitando a demonstrações de insatisfações corriqueiras e uma inquietação que não parece forte o suficiente para provocar perseguições. Dani (Lóren Maite) é a líder da turma de amigos que encara como um rito de passagem a entrada no grupo adulto de teatro da cidade estagnada no tempo.
Gustavo Spolidoro estabelece polos de tensão coletiva um tanto superficiais nesse coming of age ambientado no pacato interior do Rio Grande do Sul. Por exemplo, um dos grandes antagonistas é o padre local, evidentemente o representante da influência religiosa numa localidade tradicional. A antítese, por assim dizer, do pároco é a professora de teatro, ou seja, a representante da arte que aparece como alternativa e porto seguro. O resultado desse choque de forças é evidente: a religião oprime toda e qualquer pessoa compreendida como desviante, enquanto a arte é acolhedora por natureza, uma forma de expressão que não está preocupada com dogmas e outros limitadores. No entanto, Spolidoro não assegura que esse choque de poderes seja fundamental para a aventura dos protagonistas. Isso acontece, principalmente, por conta da mencionada “dureza” do elenco, em virtude da sensação (aqui contraproducente) de que todos os adultos vibram numa mesma frequência e operam num tom. Esse atributo também enfraquece o quinteto de jovens adultos um pouco mais velhos que os protagonistas, escancaradamente cópias-carbono mais conformadas e “adequadas” que não funcionam como outra dessas tantas forças contrárias e castradoras. Enquanto os cinco dragões vagam tentando entender o que fazer, apenas alguns núcleos específicos se rebelam contra essas “aberrações”.
Gustavo Spolidoro não trabalha as circunstâncias fantásticas como destoantes ao ponto de provocar pânico na comunidade local. Os moradores mais obscurantistas de Monte Vêneto veem os cinco dragões como ameaça, mas não há a instauração de um caos generalizado por conta da existência de adolescentes que gradativamente ganham características de seres mitológicos conhecidos pela ferocidade. E o realizador nem utiliza o temor restrito como indício de que a cidade nega a existência do sobrenatural ou de haja uma realidade mágica. Assim, o resultado é que somente determinados núcleos demonstram aversão aos “mutantes” que transitam pelas ruas sem causar tanto alvoroço. A premissa de Os Dragões é bem mais interessante do que o resultado. Afinal de contas, Gustavo Spolidoro se filia a uma tradição de criadores que encararam a puberdade, fase da vida em que boa parte das pessoas se sente um pouco “monstruosa”, em fábulas sobre as dores e delícias de amadurecer. Essa herança tem propostas tão diferentes quanto as de Carrie: A Estranha (1976) – que atrelava a primeira menstruação à telecinese, se valendo das ferramentas do horror – e O Jovem Lobisomem (1981) – que exacerbava as mudanças físicas da adolescência, para isso utilizando a chave cômica. Em seu mais recente filme, Spolidoro contorna bem as restrições orçamentárias por meio de efeitos criativos e da boa maquiagem. Curiosamente, ele torna críveis os dragões, mas não as questões humanas que regem os aspectos comuns.
Filme visto em abril de 2022, durante o 18º Fantaspoa.
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