Crítica

Ao contrário do seu irmão, Tony Scott, que fez de sua obra de estreia – Fome de Viver (1983) – o ponto mais alto de sua carreira, o cineasta inglês Ridley Scott, apesar de também ter começado com o pé direito com o interessante Os Duelistas, conseguiu construir uma filmografia de respeito, dona de verdadeiros marcos da sétima arte. Mas estes trabalhos referenciais, que perduram até hoje, por mais de trinta anos, não teriam sido possíveis caso essa sua primeira incursão na tela grande – após diversos trabalhos na televisão e na publicidade – não tivesse sido tão bem sucedida. Esforço bem recompensado que justifica todo o sucesso obtido.

Baseado em um conto menor de Joseph Conrad – o mesmo autor de Heart of Darkness, que deu origem ao clássico Apocalypse Now (1979) – Os Duelistas é um ótimo exercício cinematográfico, um curioso trabalho de roteiro – são diversas situações construídas, minimamente diferentes entre si, porém sempre com o mesmo propósito – e uma incrível oportunidade para os dois protagonistas e para o realizador, que fez deste um projeto com diversos atrativos que atendem até o mais exigente dos espectadores. A trama, absurdamente simples, é estabelecida em questão de minutos. A partir de então, observa-se o seu desenrolar por anos e décadas, até o momento em que não há mais para onde seguir. Assim, cineasta e intérpretes oferecem ao público um desenlace digno à história que foi contada, ainda que surpreenda por evitar a obviedade.

Estamos em Estrasburgo, ano de 1800, em plenas Guerras Napoleônicas. A primeira cena do filme já adianta o que está por vir: Feraud (Harvey Keitel), um oficial do exército, está em duelo contra um homem que ele afirma ter ofendido o grande Napoleão. Este rapaz, que termina ferido – porém não mortalmente – vem a ser sobrinho do prefeito local, o que gera uma séria incomodação com o comandante do pelotão. D’Hubert (Keith Carradine) é o colega militar encarregado de levar a mensagem até Feraud, avisando-o do incidente e dos futuros problemas que o esperam com o superior. O problema é que o ofendido é destemperado e de reações extremas, e termina por confundir mensagem com mensageiro. Com isso, desafia aquele que é mero entregador de recado para um novo duelo. E o inesperado ganha espaço na vida destes dois homens.

A história de Os Duelistas é tão surreal que só poderia ser mesmo baseada em um fato real. Estes dois militares, homens de guerra e de lutas, irão se enfrentar em confrontos individuais por mais de vinte anos. Se no primeiro um sai ferido pela espada do outro, no seguinte o resultado será o oposto, tendo eventualmente até um conflito em que ambos caem no chão, sem uma vitória clara para nenhum dos oponentes. Chega-se ao absurdo deles nem saberem mais ao certo o porquê de estarem se enfrentando, mas uma rixa tão estabelecida quanto essa há muito passou do ponto de ser relevada, e eles farão questão de levarem essa questão até às últimas consequências. Ambos estão presos ao que lhes é mais importante: um à violência que o exige matar ou morrer, o outro a uma honra questionável e de difícil identificação.

Ridley Scott faz de Os Duelistas um belo filme de estreia, antecipando para aqueles que tiveram oportunidade de conhecê-lo desde seus primeiros passos muito do que ainda ofereceria em seus trabalhos seguintes. Algumas sequências – como o duelo a cavalos, por exemplo – indicam um incrível sentido de comunicação com o público, combinando elementos como montagem e edição de som em busca do melhor impacto possível. Carradine e Keitel são também apostas seguras – ainda que não tenham sido as opções iniciais do diretor – e respondem bem ao que lhes é exigido. E, por fim, tem-se uma grande sacada na conclusão deste conto de medo e morte, que respeita os dois envolvidos e ainda oferece algo que irá de acordo com as expectativas de ambos os lados. Um tiro certeiro, e felizmente o primeiro de muitos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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